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“Temos 27 Estados com tradições diplomáticas muito diferentes e com um peso relativo no mundo muito diferente. Estamos conscientes disso e procuramos um mecanismo para política externa europeia.” | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
“Temos 27 Estados com tradições diplomáticas muito diferentes e com um peso relativo no mundo muito diferente. Estamos conscientes disso e procuramos um mecanismo para política externa europeia.”| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Aumento do número de imigrantes dos países em desenvolvimento, resistência ao projeto de Constituição e divergências entre Estados sobre as políticas econômicas e sociais. Esses são alguns dos problemas que os 785 parlamentares da União Europeia (UE) enfrentarão nos próximos cinco anos.

As eleições para o Parlamento Europeu serão realizadas nesta semana, entre os dias 4 e 7. Os eleitos vão representar cerca de 500 milhões de pessoas em 27 países – número de deverá crescer com a aprovação de novos membros.

A expansão da comunidade, ao mesmo tempo em que garantiu a implantação de políticas continentais, aumentou as desigualdades entre seus membros, uma das questões a serem enfrentadas pelos novos deputados.

A superação das disparidades regionais "é um processo, não um milagre", diz Christian Burgsmüller, chefe da Seção para Assuntos Políticos, Econômicos e de Informação da Comissão Europeia no Brasil. No posto desde 2006, o representante europeu reconhece que a integração e os fluxos migratórios são alguns dos grandes problemas da UE. No último dia antes de entrar de férias, na sexta-feira, ele concedeu, por e-mail, a seguinte entrevista à Gazeta do Povo:

A União Europeia chega aos 52 anos com uma série de problemas, como as dificuldades na aprovação da Constituição Europeia, o desencanto dos cidadãos de alguns países, que consideram a vida pior hoje do que antes da adesão ao bloco, e o fraco desempenho econômico nos últimos anos. Em que as eleições para o Parlamento Europeu pode ajudar para resolver essas e outras questões?

Em primeiro lugar, o Parlamento Europeu precisa conquistar os cidadãos europeus. É um desafio para futuros parlamentares mostrar uma ligação entre a vida cotidiana e a política europeia, que existe, mas às vezes fica despercebida.

Quais são as grandes questões que os 785 parlamentares eleitos deverão debater e aprovar nos próximos cinco anos?

Se o Tratado de Lisboa for aprovado, o novo "set-up" institucional será o maior desafio. O voto para o Parlamento Europeu é, em alguns países, motivado na sua maioria pela situação da política interna, ou seja, por problemas específicos de cada país – não entram em jogo visões da UE. Alcançar isso é certamente um projeto a longo prazo.

É possível chegar à integração total sem uma Constituição?

O esforço que toda a UE tem dado à preparação do tratado constitucional e a discussão sobre os seus efeitos é a melhor prova de que não se trata de uma pura formalidade e que todos estão conscientes que a Europa necessita de alguma base legal revistada para beneficiar mais dos efeitos da integração. Mas a integração total é um conceito com qual não trabalhamos.

O fato de os deputados serem eleitos por seu países e não haver candidatos com direito a voto em toda a UE não favorece, digamos assim, o "bairrismo" no debate parlamentar?

Os deputados do Parlamento Europeu formam grupos consoantes à sua orientação política, não geográfica, nacional ou linguística. Também não é verdade que, por exemplo, um alemão pode votar só em candidato alemão. Se ele vive, por exemplo, na França pode eleger o seu "euro-deputado francês" ou se candidatar. Quer dizer, vota pelo candidato local ou representa a região na qual vive. Nos debates no parlamento observamos os conflitos "clássicos" conservador versus socialista ou UE versus cosmopolita. Divisões ideológicas não têm base nacionalista.

Há protestos em todo o mundo contra a política de imigração adotada por países europeus. A UE aprovou em junho de 2008 uma legislação, a qual entrará em vigor em 2010, que endurece as regras de controle da imigração. Mas hoje, cada país tem suas regras. A Itália, por exemplo, acaba de adotar medidas para barrar imigrantes. Os parlamentares a serem eleitos nesta semana deverão aprovar novas leis sobre migração?

Certo, não se pode negar que a imigração se tornou um problema para a Europa, sobretudo para o sul do continente. Cada país tem direito de ter as suas próprias leis da imigração. Mas a UE também vai reagir globalmente e o Parlamento Europeu certamente adotará algumas medidas. É difícil prever agora qual será o empenho do próximo parlamento. Mas nós tratamos essas questões abertamente e fazem parte do nosso diálogo com países terceiros, inclusive o Brasil. Para ilustrar a complexidade do problema, cabe mencionar que até dentro da UE existem debates sobre a migração econômica entre os estados membros (questão da abertura do mercado do trabalho para novos Estados membros).

Passada uma década da implantação da nova moeda, apenas 16 dos 27 membros da UE adotaram o euro. Membros importantes, como o Reino Unido, têm outras moedas. O euro não será uma moeda universal dentro do bloco?

É previsto que outros estados membros da UE irão adotar o euro. Agora, durante a crise financeira, podíamos ouvir as especulações sobre adesão ao euro dos países que não tinham planos de fazer esse passo no futuro próximo.

Dos países candidatos a ingressar na UE, a Turquia é motivo de discórdia. Por que é tão complicado aprovar a adesão desse país ao bloco?

O importante é que o processo da adesão da Turquia não está parado e as negociações seguem avançando. É obvio que cria discussões num bloco que é profundamente democrático e permite este debate. A história da Turquia e da Europa sempre estiveram interligadas com várias consequências e pressentimentos. Atualmente, há forte presença turca em alguns países da UE, algo que influencia o debate interno.

Com a entrada de novos países, como a Bulgária, as desigualdades UE aumentaram. O bloco tem metas para equilibrar economicamente as nações?

A UE tem vários meios para diminuir as desigualdades – fundos estruturais e regionais, apoio técnico. A UE ajuda até os países candidatos a cumprir os critérios de entrada. Do passado podemos ver os casos bem sucedidos, por exemplo, do sul da Europa – Espanha, Portugal, Grécia –, países que viveram uma fase positiva depois da sua adesão à Comunidade Europeia. Mas é um processo, não um milagre.

A União Europeia não tem agido em conjunto em uma série de questões. Na guerra do Iraque, só para citar um deles, a Grã-Bretanha apoiou os EUA, enquanto outros países não queriam a invasão. As divergências não fragilizam a política externa do bloco?

Não podemos negar que existem divergências entre os Estados membros. Temos 27 Estados com tradições diplomáticas muito diferentes e com um peso relativo no mundo muito diferente. Estamos conscientes disso e procuramos um mecanismo para política externa europeia. A criação do posto do alto representante da UE para a política externa foi o primeiro passo. A função, atualmente, é desempenhada por Javier Solana, que tem grande experiência de diplomacia bilateral e multilateral. Cabe destacar que, quando a questão da guerra do Iraque foi tratada, a divisão também não era tão simples como Reino Unido contra o resto da Europa.

Desde o Tratado de Paris, em 1951, e o Tratado de Roma, em 1957, embriões da UE, a integração do bloco caminhou com avanços e retrocessos. Há risco, hoje, de algum país se desmembrar da comunidade?

No estado atual da integração e na maneira como isso influencia o cotidiano do cidadão, acho muito improvável. Até os eurocéticos mais destacados da Europa raramente falam da dissolução do bloco ou da saída dos seus países.

A UE pretende agregar todos os países da Europa, inclusive do Leste Europeu? Qual o tamanho ideal, se existe, da UE?

Bem, é difícil definir o tamanho ideal. Nós todos queremos ter uma Europa forte e aberta a todos. Mas cada país que adere tem de cumprir critérios rigorosos. E o debate sobre o limite final da União Europeia é uma questão que deixa ocupados os mais destacados intelectuais da Europa.

Os países da América Latina, em especial o Brasil, criticam a política protecionista de membros da UE, principalmente no setor agrícola. Os subsídios e as barreiras comerciais não vão contra a tese de que a abertura comercial é o melhor remédio para acabar com a crise mundial?

A pergunta sobre a proteção à agricultura na Europa é tão sensível como a pergunta da proteção da indústria no Brasil. Cada um tem o seu protecionismo, que deve ser resolvido nas grandes negociações comerciais, seja na Agenda Doha para o Desenvolvimento ou nas negociações entre a UE e o Mercosul.

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