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Presidente russo, Vladimir Putin, durante jogo de hóquei | Aleksey Druzhynyn/RIA Novosti
Presidente russo, Vladimir Putin, durante jogo de hóquei| Foto: Aleksey Druzhynyn/RIA Novosti

Após o desempenho sem precedentes do presidente dos EUA, Donald Trump, em uma entrevista coletiva com o líder russo Vladimir Putin na Cúpula de Helsinque em 16 de julho, Trump foi criticado por todo o espectro político por aparentemente se aliar a Putin em vez da comunidade de inteligência americana em relação à interferência russa nas eleições de 2016. Vários senadores republicanos também miraram diretamente em Putin, chamando-o de "adversário comprometido", "tirano" e "líder do regime da máfia". 

De acordo com alguns observadores russos, Putin aprecia sua imagem internacional como "um vilão de Bond". Mas, como Joss Whedon, criador do programa de TV clássico “Buffy, a caça-vampiros”, disse certa vez: "Bandidos não acham que são bandidos. Bandidos acham que são heróis”. 

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Essa sabedoria se aplica igualmente a Putin: ele não acredita que seja o cara mau, ele acha que é o herói. Ele não é o supervilão Blofeld da série de James Bond, ele é Bond. 

Amplamente descrito nos Estados Unidos como um líder hostil que desafia agressivamente os interesses americanos em todo o mundo, Putin, como é lógico, vê as coisas de forma bem diferente. Do ponto de vista dele, a Rússia está jogando na defesa. 

Como argumento em meu novo livro “The Code of Putinism” (O Código do Putinismo, em tradução livre), a chave para desvendar quem é Vladimir Putin é entender suas ideias, hábitos e emoções. As atuais más relações entre a Rússia e o Ocidente se devem a um descompasso entre Putin e a maioria dos líderes ocidentais. Estas mentalidades completamente diferentes, mais do que conflitos de interesses - embora existam também - são a principal fonte das dificuldades atuais e a principal barreira para melhorar as relações. 

O código de Putin 

A noção central na mentalidade putinista é que a Rússia deve ser um estado forte e uma grande potência. Ressentimento em relação ao Ocidente em geral, aos EUA em particular, e a vulnerabilidade após o colapso soviético de 1991 ajudam a alimentar esse impulso de restaurar o poder russo. Putin quer reverter o que vê como uma ordem internacional injusta, dominada pelos americanos, que explora a fraqueza russa. Na melhor das hipóteses ele sente que é ignorado, ou na pior, sente-se vítima de conspiração. 

Putin deixou claras essas opiniões em muitas ocasiões. Dirigindo-se ao Parlamento em 2003, ele declarou: “Um país como a Rússia pode viver e se desenvolver somente se for uma grande potência. Em todos os períodos em que o país estava fraco, política ou economicamente, a Rússia sempre e inevitavelmente enfrentou a ameaça de um colapso”. 

Esse medo de desordem e colapso ficou evidente em sua reação ao horrível ataque terrorista de 2004 em Beslan, quando uma escola no sul da Rússia foi tomada e 334 pessoas morreram, mais da metade delas crianças. Putin disse que o ataque aconteceu porque a Rússia “parecia fraca. E os fracos são derrotados”. 

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Mais claramente, Putin afirmou : "Eles querem tirar o doce da nossa boca e outros estão os ajudando". Ao se referir a “eles”, falava dos terroristas, e “os outros ajudando”, eram os Estados Unidos. 

O famoso discurso de Putin, em 2007, em Munique, expôs esta visão de mundo em grande medida. Ele reclamou de um esforço dos EUA para construir um mundo com “um centro de poder, um centro de força, um centro de tomada de decisões. Um mundo de um chefe, de um soberano”. 

Em 2014, sanções ocidentais foram impostas depois que a Rússia anexou a Crimeia e forneceu apoio político, econômico e militar a rebeldes separatistas no sudeste da Ucrânia. Putin disse com raiva: “Eles sempre tentam prender nosso urso. E assim que eles o acorrentarem, eles arrancarão seus dentes e garras... Estamos defendendo nossa independência, nossa soberania e nosso direito de existir”. 

A mentalidade da equipe de Putin sobre a imagem da Rússia é a de um urso ameaçado ou de uma fortaleza sitiada. 

Retornar para a contenção? 

Há 70 anos, o famoso ensaio do diplomata norte-americano George Kennan, de 1947, descreveu como deter a expansão do poder soviético. Chamava-se "Contenção". Kennan recomendou que os EUA “confrontassem os russos com uma força contrária imutável” para limitar as tentativas soviéticas de espalhar sua influência e poder em todo o mundo. 

Agora, a contenção como estratégia para lidar com a Rússia de Putin está de volta à moda, mas é difícil praticá-la contra um estado que pensa que está contendo você. 

A contenção foi projetada para a União Soviética, um regime totalitário revolucionário com uma ideologia utópica. A Rússia de Putin é conservadora, não revolucionária. De fato, Putin odeia revoluções, seja na Europa Oriental ou no Oriente Médio, e parece ter medo delas. Para Putin, as revoluções não são revoltas internas espontâneas provocadas pela insatisfação popular, mas eventos que são instigados por alguém, muitas vezes de fora. 

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A Rússia de Putin também é autoritária, não totalitária. Como o cientista político Juan Linz argumentou em 1975, os regimes autoritários são menos ideológicos, guiados por um "modo de pensar e sentir, mais emocional do que racional". 

Esta mentalidade Putinista, com sua convicção de que a Rússia deve ser uma grande potência, sua suspeita sobre as intenções dos EUA e seus sentimentos de ressentimento, status perdido e vulnerabilidade, conduz a uma política externa que muitos no Ocidente consideram conflituosa e agressiva. 

A elite da Rússia, em contraste, a considera prudente, defensiva e uma resposta necessária à pressão e hostilidade do Ocidente. 

"É uma história emocional da Rússia não ser tratada como uma superpotência", observou um jornalista russo . "Para muitos dos russos, é pessoal." Em seu discurso de março de 2014 anunciando a anexação formal da Crimeia, Putin se queixou amargamente: "Eles nos enganaram repetidas vezes, tomaram decisões pelas nossas costas, nos presentearam com fatos consumados". 

Lidar com a Rússia de hoje exigirá uma resposta mais sutil do que a contenção - que combina contenção, confronto e novas garantias. 

Heróis e vilões 

Entender a mentalidade de Putin não significa que ações russas como a intervenção militar na Ucrânia ou a interferência eleitoral nos EUA possam ser negligenciadas ou perdoadas. 

O que isso significa é que este relacionamento precisará ser bem gerenciado. As negociações ainda podem ser feitas em questões-chave, como o controle de armas. No entanto, uma melhora nas relações EUA-Rússia está provavelmente fora de alcance no futuro previsível. 

Finalmente, há um enorme curinga: Trump, baseado em suas atuações em Bruxelas e Helsinque este mês, parece inseguro sobre quem ele acredita serem os principais inimigos dos EUA. Parece mais preocupado com seus inimigos domésticos do que com o comportamento externo da Rússia. 

Se Trump continuar tentando mudar o roteiro nas relações entre EUA e Rússia, derrubando a narrativa dominante sobre heróis e vilões, ele certamente enfrentará a resistência tanto dos aliados dos EUA quanto da maioria dos políticos norte-americanos, incluindo alguns membros de sua própria equipe de segurança nacional e de seu partido.

*Brian Tylor é professor de Ciência Política na Universidade de Syracuse (NY, EUA).

©2018 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
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