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Por muitos anos, um questionário intitulado "Al Gore ou o Unabomber?" circulou por sites conservadores. O questionário colocava lado a lado trechos do ecomanifesto do ex-vice-presidente dos EUA, "A Terra em Balanço", e citações das críticas de Theodore Kaczynki à civilização industrial, pedindo ao leitor que tentasse adivinhar qual era o autor de cada trecho.

Por acaso era o ermitão barbudo que defendia os "bolsões isolados de soldados da resistência" por enfrentarem o "atentado contra a Terra" da sociedade moderna? Não, isso era do ex-vice-presidente Al Gore. Foi Kaczynski, o Ph.D. em Matemática que se tornou terrorista, quem reclamou do impacto "destrutivo" de se criar um filho sob o "estilo de vida imensamente consumista tão comum no mundo industrial"? Não, Gore de novo.

Blogueiros de esquerda empreendedores já começaram a circular um jogo semelhante com Anders Behring Breivik, o norueguês que aparentemente justificou a chacina dos adolescentes indefesos da semana passada com um "compêndio" de 1.500 páginas exigindo uma revolução de direita contra a classe governante da Europa. A julgar pelo conteúdo do manifesto, Breivik tem mais ou menos a mesma relação com a direita cultural que Kaczynski tinha com certas correntes ambientalistas. Os aspectos mais sombrios de sua ideologia pertencem estritamente ao extremo neofascista. Mas muitas de suas crenças e argumentos ecoam a retórica de conservadores culturais convencionais, tanto na Europa como na América.

Essas crenças provavelmente não são uma forma de fundamentalismo cristão. Os escritos de Breivik não têm nenhuma semelhança com a teologia de um Jerry Falwell [influente pastor evangélico conservador americano] ou um Oral Roberts [pastor pioneiro do evangelismo televisivo nos EUA], e seu cristianismo nominal ("Eu acho que eu não sou um homem excessivamente religioso", ele escreve em certo ponto) parece ser mais uma expressão da política de identidade europeia e chauvinismo anti-islâmico do que um fervor genuinamente religioso.

Mas é justo chamar Breivik de um defensor da direita. Seu compêndio cita repetidamente escritores conservadores de ambos os lados do Atlântico e está repleto de ataques aos alvos costumeiros da direita: O secularismo e o politicamente correto; a União Europeia e a revolução sexual; o islã radical e a esquerda acadêmica.

De fato, fora de contexto, algumas de suas críticas ao multiculturalismo e imigração parecem os argumentos feitos não só por partidos de extrema direita da Europa, mas por líderes conservadores convencionais, como David Cameron na Inglaterra, Angela Merkel na Alemanha e Nicolas Sarkozy na França.

Isso quer dizer que a tragédia da última semana é também uma oportunidade política para os políticos de centro-esquerda da Europa, caso eles optem por responder ao massacre de Breivik do modo como o presidente Bill Clinton respondeu ao atentado de Oklahoma City em 1995.

As conexões de Timothy McVeigh à política republicana mal e mal eram tangenciais, mas Clinton obteve sucesso em estabelecer uma relação entre o terrorista, programas de rádio e o desligamento do governo, sugerindo que o crime de McVeigh era parte de uma história maior de conservadorismo ensandecido antigoverno. A julgar pelo manifesto de Breivik, os partidos de esquerda do continente não terão de se esforçar tanto assim para conectar o ato de terrorismo norueguês às tendências direitistas mais amplas da Europa.

Como devem reagir os conservadores europeus? Não fingindo que, de alguma forma, não há conexão alguma entre o extremismo de Breivik e a direita continental mais ampla. Enquanto seus crimes devem ser criticados e renegados, deve-se admitir sua pedigree ideológica.

Mas isso não quer dizer que os conservadores precisam se render às suas convicções. Os extremistas só se fortalecem quando um sistema político finge que os problemas não existem. Conservadores em ambos os lados do Atlântico têm uma obrigação de reconhecer que Anders Behring Breivik é um monstro distintamente de direita. Mas eles também têm uma obrigação para com as realidades que a terrível atrocidade desse monstro ameaça obscurecer.

Tradução: Adriano Scandolara

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