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São Paulo – O jornalista sérvio Veran Matic enfrentou a perseguição do governo de Slobodan Milosevic para defender a visão libertária da Rádio B92, criada em 1989 por estudantes sedentos de democracia. Pela B92, que hoje também é emissora de tevê e provedor de internet, ele teve as ligações telefônicas grampeadas, foi espancado e preso. Ainda assim, diz acreditar na conquista democrática sem violência e cita, para provar a tese, que a queda de Milosevic, no dia 5 de outubro de 2000, foi feita graças à mobilização de 1,5 milhão de sérvios, sem que uma única bala precisasse ser disparada. Matic esteve em São Paulo na semana passada, para participar do seminário "Antídoto – Ações Culturais em Zonas de Conflito", promovido pelo Itaú Cultural e pelo Instituto AfroReggae. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele falou sobre a história da rádio que hoje dirige.

Gazeta do Povo – Quando o senhor diz que a B92 sobreviveu graças às doações, fala de recursos internacionais?

Veran Matic – Sim. A B92 possui uma rede de amigos pelo mundo. São pessoas comuns, como eu e você, que doaram dinheiro para nós. Outra fonte foram organizações humanitárias e empresas. Por exemplo, recebemos enorme ajuda da Real Áudio, empresa especializada em compressão de dados para transmissão de áudio e vídeo pela internet.

O que o Ocidente deve fazer quando está defrontado com um regime antidemocrático, como foram, de maneiras e em escalas diferentes, os casos da Iugoslávia e do Iraque?

É preciso dar apoio aos movimentos democráticos dentro do país para que eles possam criar estratégias e promover a sua causa, que no nosso caso era a Carta Universal de Direitos Humanos. Ou seja, é preciso dinheiro. Isso significa possibilitar o surgimento de uma força democrática autêntica, que amadureça e transforme a sociedade aos poucos. Ações violentas não são a saída porque elas geram uma democracia imposta, como é o caso do Iraque, onde a guerra trouxe soluções artificiais e levou a uma situação com poucas perspectivas de solução. Na Sérvia, crescemos e demos maturidade à nossa causa.

O senhor mencionou estratégias para a propagação interna de democracia. Do que se trata exatamente?

É uma série de medidas que fomos tomando ao longo do tempo para fortalecer nossa atuação. Ampliamos nossa rede de contatos e criamos retransmissores por toda a Sérvia, isso porque achávamos fundamental que todo o país nos ouvissee. Depois nos organizamos com outros movimentos, como o de proteção às minorias, o movimento feminista, e outras rádios afins. O surgimento da internet foi crucial. Fomos os primeiros a perceber, muito antes do governo, o poder que a internet tem como disseminadora de informações e formadora de opinião. O site da B92 é hoje o mais visitado dos Bálcãs. Quando fechavam a emissora, continuávamos somente pela internet. Depois de termos cabos cortados e equipamentos apreendidos, fizemos investimento em tecnologia. Entrávamos no ar a partir de um servidor instalado em um apartamento abandonado de Belgrado. Mas a gente não ia lá para não revelar a localização, já que éramos seguidos diariamente pela polícia.

O senhor corria o risco de ser assassinado?

Um amigo meu soube, no Ministério das Informações, que meu nome estava entre os primeiros de uma lista. O primeiro nome era o de Slavko Curuvija, jornalista brutalmente assassinado em abril de 1999, sob circunstâncias ainda não esclarecidas. Estive preso durante os bombardeios da Otan, em 1999. A B92 havia sido fechada e muitos ocidentais não entenderam quando escrevi que o bombardeio estava destruindo o movimento democrático na Sérvia em vez de beneficiá-lo.

É possível que países invistam em grupos democráticos por vias da política oficial, dos governos e das Nações Unidas? Ou essas iniciativas são apoiadas somente entidades civis?

Já participei de uma conferência do Banco Mundial e sugeri a criação de um fundo para esses fins. Mas acho a saída difícil. Geralmente ficamos apenas com algumas reuniões, sem qualquer iniciativa concreta. É uma idéia bastante utópica. Mas em casos como o de Bill Gates, que é um gigantesco investidor em programas de vacinação, e George Soros, que é o maior doador para organizações não-governamentais da Europa, podemos ver algumas iniciativas (a B92 recebeu doações de Soros por anos).

A tevê B92 hoje transmite o Big Brother. É um emissora que precisa sobreviver em uma economia de mercado. Como isso afeta a integridade de seus objetivos?

O Big Brother é resultado de uma decisão que levou três anos para ser tomada. Aceitei quando percebi que ele me permitira manter um jornalismo forte e independente. Também achamos maneiras de mexer na fórmula. Colocamos na casa pessoas que estavam de lados opostos do conflito. Temos um integrante que prometeu bater nos assessores do primeiro-ministro (Vojislav) Kostunica. Por isso estamos tendo problemas com os donos da franquia.

O que tem achado desses poucos dias de Brasil?

Minha mulher custa a acreditar que estou em uma cidade com tempo chuvoso e que não estou rodeado por morenas bonitas (risos). Não tinha uma imagem concreta de quanto o Brasil é grande, rico e desigual. Lendo enciclopédias e vendo a internet, não fazia idéia de como era a vida aqui. Por outro lado, a imagem que tinha do (presidente) Lula era a de um líder como (Hugo) Chávez, da Venezuela. Conversando com os brasileiros, tive a impressão de ele ter realizado um governo de equilíbrio muito difícil, com algumas medidas positivas.

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