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O evolucionista Richard Dawkins, autor de Deus, um Delírio, apresentou seu apoio à campanha ateísta no Reino Unido | Reuters
O evolucionista Richard Dawkins, autor de Deus, um Delírio, apresentou seu apoio à campanha ateísta no Reino Unido| Foto: Reuters

Qualquer mortal que já passou meia hora esperando por um ônibus em uma fria manhã de inverno pode ter chegado a duvidar da existência de uma divindade, mas para aqueles que precisam de um empurrãozinho extra para pôr em xeque a existência divina foi lançada nesta semana, no Reino Unido, uma campanha de abrangência nacional que incentiva pessoas a "saírem do armário" e assumirem sua personalidade ateísta. A campanha conta com o apoio de várias celebridades britânicas de "não-crentes" ou "não-cristãos".

O slogan principal da campanha – "Deus provavelmente não existe. Pare de se preocupar e vá curtir a vida" – já pode ser visto em quatro rotas de ônibus londrinas. Mais de 200 ônibus articulados em Londres e 600 no resto do país irão receber cartazes da campanha, que angariou R$ 485mil em verbas, quase 26 vezes mais a meta inicial, que era de quase R$ 20 mil.

Com a verba maior, serão feitos mais mil anúncios no metrô de Londres e também será realizada a instalação de duas telas de LCD bem em frente da estação de metrô Bond Street, na Oxford Street, uma das mais famosas ruas da capital inglesa. Os organizadores ainda citam frases de celebridades – incluindo Albert Einstein, Douglas Adams e Katharine Hepburn – que endossaram o ateísmo ou expressaram ceticismo quanto à existência de um Criador. A frase "Aquilo que não retornará jamais é o que faz a vida tão doce" pertence à poeta Emily Dickinson.

"Esperamos séculos por um ônibus ateísta e, quando ele finalmente vem, 800 vêm atrás. Espero que eles consigam alegrar os dias das pessoas e que elas consigam sorrir no seu trajeto para o trabalho" declarou a roteirista Ariane Sherine, criadora da campanha, em uma barraquinha de divulgação próxima ao Albert Memorial.

Ela chegou a mencionar algo sobre a campanha em um blog em junho do ano passado, com alegações de que seria uma alternativa para os slogans religiosos que ameaçam os não-cristãos e os condenam ao inferno e a danação eterna. No lançamento realizado nesta semana, a criadora disse que o grande volume de doações, que não param de chegar, demonstrou a força do sentimento não-cristão. "Este é um grande dia para a liberdade de expressão na Grã-Bretanha. Estou muito orgulhosa de viver em um país onde as pessoas possuem a liberdade de acreditar no que quiserem".

Junto de Sherine estavam Richard Dawkins, autor do livro Deus, um Delírio, Hanne Stinson, da Associação Humanista Britânica (BHA, em inglês), o filósofo AC Grayling e Graham Linehan, que escreveu os livros Father Ted, Black Books e The IT Crowd.

De acordo com a BHA, um "número assombroso" de britânicos possui crenças não religiosas – algo entre 30% e 40% da população geral, tendo os números mais expressivos, entre 60% e 65%, entre os jovens. "Todos nós, com crenças religiosas ou não, temos o direito de ser ouvidos. Nenhuma crença em específico possui maiores direitos para influenciar o debate público do que outra. A mensagem não se destina a pessoas com crenças religiosas – mas sim aos ateístas e agnósticos", declarou Hanne Stinson. De acordo com ela, quase todos os críticos reconheceram o slogan como sendo uma simples declaração de fundo não-religioso e o apreciaram por garantir as pessoas que não existe razão para se preocuparem por não serem religiosas. "As pessoas podem levar uma vida feliz, agradável e muito compensadora sem religião", complementa.

Antes do lançamento da campanha, Sherine estava preocupada com a possibilidade de os cartazes serem vetados nos ônibus operados pela Stagecoach, a segunda maior empresa de transporte público no Reino Unido. O cofundador da empresa, Brian Souter, é membro fiel da Igreja do Nazareno, uma denominação evangélica de abrangência mundial.

O porta-voz da Stagecoach disse que todos os cartazes nos ônibus administrados pela empresa foram vetados inicialmente. "Este tipo de anúncio está sendo veiculado em um determinado número de ônibus por todo o Reino Unido. Consultamos a Autoridade de Padrões Publicitários do Reino Unido e verificamos que tais cartazes estão de acordo com as diretrizes e legislação vigentes".

O Instituto de Discussão Teológica Thenos recebeu a campanha de bom grado e acredita que foi uma "excelente maneira" de fazer com que as pessoas pensassem mais em Deus. "Os cartazes irão incentivar as pessoas a pensarem sobre a questão mais importante que temos em nossas vidas. O slogan, por si só, reaviva o assunto. Dizer para alguém que ‘Deus provavelmente não existe’ é algo afirmar a elas que provavelmente se lembraram de trancar a porta quando saíram de casa. Cria-se uma dúvida que talvez essas pessoas não tivessem".

A Igreja Metodista mandou uma nota de agradecimento a Dawkins por incentivar um "interesse contínuo em Deus".

O sucesso da iniciativa britânica inspirou ateístas em todo o mundo. A Associação Humanista Norte-Americana lançou uma campanha publicitária em 230 ônibus na cidade de Washington em novembro passado.

As repercussões do evento nos EUA foram negativas. Os organizadores da campanha norte-americana receberam milhares de ligações e e-mails ofensivos e de queixas. Milhares de reclamações também foram feitas ao Metro, agência do governo norte-americano responsável pela administração de ônibus e linhas de metrô urbanas. O cartaz provocou duas "contracampanhas" custeadas por cristãos fervorosos.

A partir de amanhã, os ônibus da cidade de Barcelona, na Espanha, terão cartazes com a versão traduzida do slogan britânico, o que certamente irá causar desconforto à hierarquia católica da cidade. No país vizinho, Itália, a União de Ateístas, Agnósticos e Racionalistas também planeja a utilização dos ônibus de várias cidades para a divulgação da campanha.

Os ateístas da Austrália, todavia, tentaram trazer ainda mais ousadia a campanha. A utilizaçäo de cartazes com slogans como "Ateísmo – durma um pouquinho mais aos domingos de manhã" foi veemente rejeitada pela maior empresa de publicidade externa da Austrália, a APN Outdoor.

Tradução: Thiago Ferreira

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