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Quando disse a uma amiga alemã que iria encontrar um tio-avô em uma cidadezinha perto de Chemnitz, em uma região que antes era a Alemanha Oriental, ela me disse que eu notaria a diferença assim que atravessasse a fronteira. Ela falava de uma divisão imaginária, ainda presente na forma como os alemães encaram a reunificação, que já completa 20 anos. Ela não se referia a características regionais de um mesmo país, mas a uma fronteira, digamos, semi-nacional.

Faz dois anos que peguei o trem até Chemnitz, a principal cidade da região onde vive meu tio-avô, e a única diferença que notei foi o trem lento para os padrões alemães e a vegetação que parecia fechada mesmo para quem já estava acostumado com a paisagem arborizada do país. O esforço feito nos últimos 20 anos para a reunificação nas coisas práticas é visível. Gersdorf, o vilarejo que era meu destino final, tem mais do que umas 300 casas e está cercado por torres de energia eólica, tem calçadas novinhas em folha, banda larga, agência bancária e a fábrica de cerveja Glück Auf vai bem como um empreendimento capitalista. Em um passeio até Dresden, passamos por uma autoestrada de concreto com quatro pistas e a cidade tinha obras por toda parte. Meu tio-avô fez questão de mostrar a recém-reconstruída Frauenkirche, uma igreja que havia sido destruída na Segunda Guerra – a cidade foi castigada por bombardeios intensos no fim do conflito.

As diferenças do Oeste para o Leste da Alemanha são sutis. Berlim ainda guarda pedaços do muro, mas quem percorre a famosa avenida Unter den Linden não tem como classificá-la como Leste ou Oeste. Há, é verdade, problemas diferentes no lado Leste da Alemanha. O desemprego ali ainda é, de forma persistente, mais alto. Existe o fenômeno da migração de mulheres para o Oeste, o que deixa algumas cidades com um excesso de homens desempregados e, para seu desespero, sozinhos. É difícil para um estrangeiro entender por que depois de tanto esforço um lado vê o outro com distância – ouvi inclusive relatos de preconceito contra alemães do Leste durante os dois anos que vivi no país.

Talvez a maior dificuldade da reunificação não esteja no esforço econômico e político. É a mudança na forma de pensar o desafio maior. Um professor norte-americano casado com uma alemã do Leste me contou que vivia entrando em furadas por causa da boa vontade dela em prestar pequenos serviços aos conhecidos. Perdeu a conta do número de caronas que deu ao aeroporto e credita o comportamento a um jeito ainda meio socialista que persiste no lado oriental. Meu tio-avô deixava escapar alguma nostalgia – uma delas é que a gasolina era superbarata no tempo da DDR (a redução do nome oficial da Alemanha Oriental). É claro que a primeira coisa que ele fez após a unificação foi comprar um carro, um Honda, algo impensável no tempo comunista, em que todos rodavam com Trabants, que hoje servem para passeios turísticos em Berlim. Ainda percebi que ele baixava o tom de voz para fazer alguma crítica à DDR, como quando me mostrou as fotos de sua primeira viagem à Itália, há alguns anos, destino impossível até 1989. Lugar de praia era na Iugoslávia.

A reunificação da Alemanha pode ser classificada como a contracultura dos anos 90 na Europa. Umas duas dezenas de nações preferiram a separação por terem se unido à força após a guerra. Os alemães correram para corrigir a divisão da Guerra Fria. A ânsia de apagar logo as marcas do Muro de Berlim foi criticada pelo Nobel de literatura Günter Grass, para quem o processo deveria ser lento. É provável que ele estivesse certo com relação ao sentimento nacional, mas é inegável o avanço que o país fez em 20 anos. Ninguém questiona o ganho de qualidade de vida no Leste, nem o mundo de oportunidades econômicas que ali se abriram. Se a transição da identidade não acabou, pelo menos o país está unido nas coisas essenciais.

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