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O presidente dos EUA, Barack Obama, é recebido pelo embaixador Karl Eikenberry e o general David Petraeus no Afeganistão: dificuldade em manter segredos | Jim Young/Reuters
O presidente dos EUA, Barack Obama, é recebido pelo embaixador Karl Eikenberry e o general David Petraeus no Afeganistão: dificuldade em manter segredos| Foto: Jim Young/Reuters

Espionagem ou jornalismo?

EUA têm dificuldade em processar site por vazamento

Agência Estado

As decisões do governo norte-americano sobre se ou como fazer acusações criminais contra participantes das revelações do WikiLeaks.org são complicadas pela novidade da empresa baseada na internet de Julian Assange: trata-se de jornalismo ou de espionagem?

Advogados dos departamentos de Justiça, de Estado e de Defesa dos Estados Unidos estão discutindo se seria possível processar o fundador do WikiLeaks e outros pela Lei de Espionagem, segundo um veterano funcionário do Pentágono.

Eles estão discutindo se a Lei de Espionagem se aplica e a quem, disse esse funcionário. Outras acusações poderiam ser possíveis também, inclusive a de roubo de propriedade do governo ou receptação de propriedade roubada do governo.

O deputado Peter King, de Nova York, propôs que Assange fosse acusado pela Lei de Espionagem e quis saber se o WikiLeaks poderia ou não ser considerado uma organização "terrorista".

Assange, por sua vez, tem se retratado como um jornalista em uma cruzada: ele disse à ABC News por e-mail que seu último lote de documentos do Departamento de Estado exporia "lideranças mentirosas, corruptas e assassinas do Bahrein ao Brasil". Ele disse à revista Time que tem como alvo apenas "organizações que usam o sigilo para ocultar comportamentos injustos."

O experiente advogado Plato Cacheris, que representou o agente da CIA Aldrich Ames e outros acusados de espionagem, comentou nesta semana que Assange poderia argumentar que está protegido pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA, aquela que defende a liberdade de imprensa.

Limitado pelas garantias à liberdade de imprensa da Primeira Emenda, o Departamento de Justiça tem evitado processar jornalistas pela publicação de segredos vazados. Vazadores foram ocasionalmente processados, em geral funcionários públicos acusados pelos estatutos mais fáceis de provar que criminalizam a manipulação indevida de documentos secretos.

Mas o WikiLeaks entrou num espaço onde nenhum jornalista ingressara anteriormente. As organizações noticiosas muitas vezes tentaram obter informações, mesmo secretas, do governo para matérias específicas e imprimiram segredos conseguidos com funcionários públicos, mas nenhuma se equipara ao convite mundial aberto de Assange para lhe enviarem qualquer informação secreta ou confidencial em que uma fonte puder meter as mãos.

O WikiLeaks.org é um vazador ou meramente o publisher?

"Os tribunais têm relutado em traçar uma linha de demarcação entre o que chamamos de mídia tradicional e tudo o mais", disse o procurador em Washington, Stan Brand. "Se essas pessoas estão publicando e exercendo direitos da Primeira Emenda, não vejo por que estariam menos qualificadas aos direitos de publicar da Primeira Emenda."

Entretanto, numa entrevista coletiva concedida no dia seguinte ao vazamento, o secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, diferenciou o WikiLeaks com organizações de notícias tradicionais, que, segundo ele, agiam com responsabilidade na matéria apesar de muitas terem publicado alguns materiais secretos.

Governo americano proíbe acesso de funcionários ao WikiLeaks

Agência France Press

A Casa Branca ordenou a todas as agências do governo norte-americano que impeçam terminantemente seus funcionários de ter acesso ao site WikiLeaks, afirmando que os documentos diplomáticos vazados continuam sendo considerados confidenciais.

"A recente divulgação de documentos do governo americano por parte do WikiLeaks resultou em um dano a nossa segurança nacional", indica a Agência de Gerência e Orçamento da Casa Branca em uma mensagem a todas as agências federais. "Cada funcionário federal e contratado tem a obrigação de proteger a informação reservada", acrescenta, enfatizando que a publicação por parte do site não faz com que as mensagens diplomáticas deixem de ser confidenciais.

A Biblioteca do Congresso foi uma das instituições que bloqueiou o acesso ao WikiLeaks, e ante as críticas do famoso site, defendeu-se ao dizer que essa atitude não era censura, uma vez que "fornecer acesso à informação ali contida é ilegal".

  • Javier Moreno, editor do jornal El País: mídia reproduz dados do WikiLeaks
  • Biblioteca do Congresso americano: é proibido acessar o site

A onda de críticas que se seguiu ao mais recente vazamento de informações secretas realizado pelo WikiLeaks.org deixa a en­­tender – não apenas entre funcionários de governos, mas às vezes entre observadores e analistas – que existe uma percepção generalizada de que o grupo atravessou uma fronteira perigosa ao divulgar a comunicação diplomática entre as embaixadas e consulados dos Estados Unidos ao redor do mundo e o Depar­­ta­­mento de Estado.

Estaria, afinal, a diplomacia em perigo?

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não costuma aparecer por aí como um representante do consenso global. Mas na segunda-feira ele embarcou no mesmo comboio da maioria dos chefes de Estado e de governo do mundo ao advertir que a própria soberania dos Es­­tados estava em perigo por causa de uma realidade na qual ne­­nhum segredo estará seguro caso esteja escrito.

"Será mais difícil para os di­­plomatas norte-americanos transmitir em telegramas e relatórios as coisas da mesma forma que antes", disse o chefe de governo israelense. O mais provável é que os governos passem a acumular informações, observou Netanyahu, restringindo assim a circulação das informações e reduzindo substancialmente o risco de vazamento.

Trata-se de um tema delicado para ser comentado por líderes eleitos, é claro, pois tal posicionamento subentende que deve haver um limite para o que as pessoas devem saber, ou pelo me­­nos quando elas devem tomar conhecimento de um determinado assunto.

Netanyahu argumentou que a capacidade de comunicação por canais secretos foi crucial para que Israel e Egito alcançassem um acordo de paz em 1979. Se o público israelense tivesse co­­nhecimento de que o então pri­­meiro-ministro israelense, Me­­nachem Begin, estava se preparando para ceder todo o De­­serto do Sinai, capturado em 1967, o diálogo poderia ter descarrilado, especulou. "A transparência é fundamental para nossa sociedade, assim como costuma ser es­­sencial, mas existem algumas poucas áreas – e a diplomacia é uma delas – nas quais ela não é essencial", declarou Netanyahu.

Os esforços governamentais para controlar a transparência sofreram um duro golpe no último fim de semana, quando o site WikiLeaks começou a publicar mais de 250 mil telegramas di­­plomáticos secretos dos Estados Unidos, em um episódio rotulado como o maior vazamento de documentos confidenciais da história.

Hillary disse no início da se­­mana que o WikiLeaks agiu na ilegalidade ao colocar o material em domínio público e afirmou que o governo estava tomando "medidas agressivas para responsabilizar aqueles que roubaram essas informações".

Por parte dos chefes de Estado e de governo, as críticas ao vazamento dessas informações foram praticamente unânimes. O mi­­nistro das Relações Exteriores do Canadá, Lawrence Cannon, disse que "os perpetradores desses va­­zamentos podem ameaçar nossa segurança nacional. Já o ministro das Relações Exteriores da Ale­­ma­­nha, Guido Westerwelle, adotou um tom um pouco mais di­­plo­­mático do sugerir que o vazamento "dificilmente poderá ser considerado um caso de altruísmo".

O vazamento vem sendo ob­­servado pelos governos sem a au­­ra de interesse público que costuma pairar em torno da exposição de segredos governamentais, mesmo que ilegais ou indiscretos. Nos meios diplomáticos, a sen­­sação parece ser de que a arte da diplomacia em si, muitas ve­­zes capaz de evitar guerras e solucionar conflitos, está sendo atacada. O jornal italiano La Repub­­blica destaca que "a história da diplomacia precise agora recomeçar do zero, agora ciente de que sempre pode haver um par de olhos eletrônicos por sobre os ombros da pessoa que está escrevendo".

O ministro das Relações Exte­­riores da Itália, Franco Frattini, considerou a ação do WikiLeaks um "divisor de águas" e conclamou os líderes mundiais a "permanecerem firmes, sem distanciar-se do caminho da diplomacia".

Os Estados Unidos certamente já fizeram uso do segredo com fins diplomáticos: a histórica abertura para a China promovida pelo então presidente Richard Nixon em 1972 foi antecedida por negociações secretas mediadas pelo Paquistão. Em um ponto, o então secretário de Estado Henry Kissinger simulou um mal-estar durante um visita a Islamabad e embarcou numa viagem secreta com destino à China.

Mais comuns, entretanto, são os relatórios enviados pelos di­­plomatas a suas capitais, em textos nos quais abordam questões políticas, atores importantes, assuntos econômicos e até mesmo fofocas, entre muitas outras coisas.

Michael McKinley, o embaixador norte-americano na Co­­lôm­­bia, disse que a vulnerabilidade da correspondência diplomática provoca "imenso dano à capacidade dos diplomatas norte-americanos de participar de um diálogo confidencial franco não apenas com funcionários do go­­verno, mas também com toda a sorte de atores políticos e não go­­vernamentais".

Para que o sistema funcione, os diplomatas precisam que seus contatos acreditem em sua discrição. "Contatos valiosos, que fornecem impressões e informações contextuais muito úteis, poderão agora ficar relutantes em falar abertamente em conversas privadas com funcionários norte-americanos por temerem que seus comentários alcancem a mídia, rivais políticos ou parceiros", avalia Ali Engin Oba, um analista turco que já foi embaixador de seu país no Congo e no Sudão. Trata-se de um "acontecimento temeroso para a diplomacia".

P. J. Crowley, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, falou sobre isso: "Nós teremos de dar garantias adicionais a nossos contatos, a funcionários de outros governos, a integrantes da sociedade civil de que, no futuro, protegeremos as informações, as confidências que nos fazem".

O presidente dos EUA, Barack Obama, comentou que "os vazamentos levarão a uma revolução na forma como os telegramas diplomáticos são enviados e ar­­quivados. É preciso haver um novo avanço tecnológico".

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