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Julian Assange, fundador do site WikiLeaks: vazamentos têm impacto direto na condução da política externa do governo norte-americano | Fabrice Coffrini/ AFP
Julian Assange, fundador do site WikiLeaks: vazamentos têm impacto direto na condução da política externa do governo norte-americano| Foto: Fabrice Coffrini/ AFP

O fundador

Assange pede a renúncia de Obama em jornal espanhol

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deveria se demitir do cargo se ficar comprovado que aprovou a espionagem de diplomatas americanos e dirigentes das Nações Unidas, afirmou ontem o fundador do site WikiLeaks em entrevista ao jornal espanhol El País.

"Toda a cadeia de comando por trás da ordem dada e que a aprovou deve se demitir se os Estados Unidos quiserem ser vistos como nação crível que obedece às leis. A ordem é tão seria que poderia ter chegado ao presidente para a aprovação", afirmou Assange. "Obama deve dizer se sabia de tudo e quando soube", explicou.

O governo da Austrália anunciou no último sábado que irá colaborar com os EUA para levar Julian Assange à Justiça.

O chanceler do país, Kevin Rudd, informou que foi aberta uma investigação contra o fundador do WikiLeaks e não descartou suspender seu passaporte. Ele é procurado pela polícia sueca por acusação de estupro e agressão sexual.

Folhapress

Opinião

História e deboche

"Diplomatas são homens inteligentes contratados para mentir a serviço do seu país". A frase, logo no prefácio do livro Dossiê Brasil – as Histórias por Trás da História recente do País (Editoria Objetiva, 1997), dita o ritmo desta obra do jornalista Geneton Moraes Neto.

No momento em que fofocas de gabinete vêm à tona, as 250 páginas desse trabalho ressurgem – 13 anos depois da primeira edição – como puro divertimento.

Geneton, que trabalha na Rede Globo, se aventurou em busca de relatórios secretos no Foreign Office – o Ministério das Relações Exteriores em Londres – e no prédio Thomas Jefferson da Biblioteca do Congresso, em Washington. Tais documentos, quando considerados "delicados", são vedados ao público durante décadas.

Se fossem publicados antes (como ocorre agora via WikLeaks), causariam embaraços nas relações diplomáticas. Não é por acaso. Nesses papéis, conforme a pesquisa do livro, políticos brasileiros são citados por autoridades da diplomacia como zarolhos, corcundas ou mulherengos.

Em um dos capítulos mais intrigantes, revela-se a bola de cristal dos britânicos que aqui faziam a boa-vizinhança. Houve um embargo de 50 anos para algumas dessas apostas intrigantes. Senão veja o que se vislumbrou sobre Juscelino Kubitschek de Oliveira em 1945:

"É prefeito de Belo Horizonte, presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa. Jovial e capaz, é dono de energia e imaginação. Deve ir longe. Consistentemente favorável à nossa causa."

Outro ex-presidente não dava a mesma percepção: "A estrela política de Jânio Quadros parece estar afundando numa poça de uísque". Leonel Brizola não passou impune na avaliação da CIA em 7 de dezembro de 1961: "Errático e ineficiente".

O modus operandi da nação também era traduzido para as relações internacionais. No ápice do declínio democrático, com João Goulart, em 1962, uma descrição tragicômica da situação veio dos ingleses.

"O único sinal de conforto que ouso oferecer é dizer que os brasileiros têm uma palavra para descrever a habilidade em encontrar uma saída para suas dificuldades: ‘jeito’, uma palavra intraduzível em qualquer outra língua, mas que significa, genericamente, um estratagema ou acordo de bastidores. Não é sério ou moral, mas bastante eficiente. Tenho certeza que um ‘jeito’ será encontrado para resolver a crise atual."

Na data da edição, 1997, o governo americano liberou apenas pequenos trechos dos documentos que tratam da época mais dramática do regime militar no país, no início dos anos 70, fase marcada pela guerrilha urbana.

"A maioria dos prisioneiros tem menos de 20 anos e vem de famílias de classe média ou alta – o perfil típico do terrorista brasileiro", traz um trecho antes do veto. "Acredita-se que as 18 moças do grupo [Ação Libertadora Nacional] não tenham tomado parte em operações terroristas", fecha, para em seguida abrir outro veto à leitura.

Vale dois registros: o acesso a esses dados – sem o constrangimento do tempo real – só veio à tona graças à Freedom of Information Act, uma lei que permite a cidadãos comuns o acesso a papéis que um dia foram secretos. E ainda, na mesma linha editorial, tem-se a obra 1964: Visto e Comentado pela Casa Branca, publicada pela LP&M, em 1997, de Marcos Sá Corrêa.

Por fim, diante de novas revelações sobre a forma debochada dos diplomatas transmitirem impressões alheias, a leitura do Dossiê Brasil – possível de achar nos melhores sebos da cidade – faz abrir os olhos sobre os sorrisos, abraços e brindes desses dirigentes cheios de classe. Quando a missão é abrir o jogo, muitos desses respeitáveis são felinos observadores.

Rodrigo Fernandes, editor da Gazeta do Povo

A avalanche incessante de informações vinda à tona com o vazamento de documentos dos Estados Unidos no site WikiLeaks expôs ao menos uma evolução importante das práticas da diplomacia norte-americana: a expansão das tarefas de espionagem direta.

Diplomatas foram orientados a coletar dados biométricos, números de cartões de crédito e até DNA de autoridades estrangeiras.

Os pedidos foram requisitados a diplomatas alocados em diversos países, e chegaram até a Organização das Nações Unidas (ONU), onde a prática é expressamente proibida por convenções.

As ordens foram feitas em nome da secretária de Estado, Hillary Clinton, e da embaixadora do país na ONU, Susan Rice.

As revelações estão no seio dos cerca de 250 mil despachos diplomáticos sigilosos dos EUA que estão sendo publicados gradualmente no WikiLeaks há uma semana.

Não surpreende que diplomatas façam coleta de dados – é parte intrínseca do trabalho –, mas ficou claro que os limites entre diplomacia e espionagem estão em uma zona cada vez mais cinzenta.

"Posso dizer que nunca recebi nem ouvi falar de um pedido desse tipo em meus 36 anos no Departamento de Estado", disse o diplomata norte-americano aposentado Howard Schaffer, de 81 anos, atual conselheiro do Instituto para Estudo da Diplomacia da Universidade Georgetown. "Claro que pediam informações, mas não esses dados. Me parece algo novo", afirmou.

Para alguns analistas, o esforço dos EUA em grampear amigos e inimigos é uma resposta à perda gradual de poder e influência.

Seumas Milne, colunista e editor do jornal britânico The Guardian, afirma que as ações "mostram como o império americano começou a perder o rumo quando o momento do mundo unipolar pós-Guerra Fria passou, Estados antigamente dependentes como a Turquia resolveram andar sozinhos e poderes regionais como a China começaram a fazer sua presença global mais sentida".

Fred Burton, ex-membro dos serviços de segurança diplomáticos e atual analista da empresa de inteligência Stratfor, diz que a avaliação tem limites. "Varia de acordo com as relações diplomáticas com cada país."

O Departamento de Estado dos EUA tentou minimizar o impacto das revelações. "Nossos diplomatas não são ativos de inteligência", disse o porta-voz P.J. Crowley. "Eles coletam algumas informações, como fazem diplomatas de todos os países."

Há quem argumente que o caso apenas escancarou uma prática antiga. "As linhas entre a diplomacia e a espionagem sempre foram tênues", disse James Lindsay, vice-presidente sênior do Council on Foreign Relations (CFR). "Alguns tipos de dados não eram possíveis de ser coletados no passado, a diferença está aí", complementa.

Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos EUA, diz que sempre falou ao telefone e fez comunicações em Washington "partindo do princípio de que estava tudo grampeado".

Segundo ele, é "notório que os EUA são particularmente ativos em espionagem internacional".

O fato de que espionam aliados também seria normal. Para Burton, "não existe processo de inteligência amigável". "Nessas horas, não existem aliados."

Remanejamento

Os EUA devem começar em breve a remover e remanejar pessoal diplomático, militar e de inteligência que perderam credibilidade ou ficaram em risco com a divulgação de milhares de despachos sigilosos pelo site WikiLeaks.

Agentes de inteligência e pessoal militar também deverão ser deslocados, segundo autoridades americanas afirmaram ontem ao site Daily Beast. Vários países reagiram com irritação aos vazamentos, entre eles França, Itália, Turquia, Reino Unido, Rússia, Líbia, Afeganistão e China.

Um candidato forte ao remanejamento seria o embaixador norte-americano na Líbia, Gene Cretz. Cretz escreveu a Washington sobre as relações estranhas do ditador Muammar Gaddafi com sua enfermeira ucraniana. "Vamos ter de retirar alguns de nossos melhores funcionários porque se atreveram a relatar a verdade sobre os países nos quais trabalham'', afirmou um alto membro dos serviços de segurança americanos.

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