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Poucos dias depois do Acordo de Minsk, obtido a fórceps por Angela Merkel e François Hollande, a Europa parece entender, afinal, que esforços de paz entre ucranianos e separatistas pró-russos do leste do país são iniciativas ingênuas, fadadas ao fracasso anunciado. Guerras pan-eslavas são fatalidades ancestrais, em culturas forjadas a ferro e sangue, o que parece, no entanto, escapar à vã esperança panglossiana de uma geração de líderes europeus particularmente medíocres.

A Rússia e seus mapas vicinais revelam bem mais do que apenas limites e fronteiras precárias. A presença latente do ímpeto imperial soviético, ferido pela decadência econômica e pela exaustão do modelo, equivale a combustível sempre ativo, prestes a explodir em conflitos regionais nostálgicos de Kremlin e de rublos. Com percurso histórico de guerras imemoriais, como lócus de constantes invasões, ocupações e deportações em massa, a Ucrânia personifica esses dramas, em seus 49 milhões de habitantes e de problemas. Não são apenas separatistas de Donetsk ou filo-russos da Crimeia que desafiam Kiev e a inteireza do país, senão as contradições de uma pátria confusa, há séculos em busca de si mesma.

Embora inconteste berço da cultura eslava, a Ucrânia ainda segue na elaboração de seu constructo como nação, sempre turbada pelo espectro do vizinho poderoso, inegável em sua grandiosidade histórica erigida no enfrentamento da Europa continental, das guerras napoleônicas à Segunda Guerra Mundial e à Guerra Fria. Vítima de opções econômicas desastradas, com hábitos políticos remanescentes da gestão socialista, o país destila seus infortúnios de seguidos governos igualmente desastrados, como se recorrentes separatismos fossem as únicas razões de seu endêmico atraso. A titubear entre a opção declarada pela economia de mercado – aliás, como a Rússia já fez – e patinar em saudosismos ideológicos imponderáveis, o frágil governo ucraniano não deve esperar a eurogenerosidade de Bruxelas ou o assistencialismo humanitário de Washington, com bem mais dilemas pela frente que suas carências materiais e sua integridade territorial.

Agora, o recente Acordo de Minsk, com seus precários 13 pontos, é apenas um arremedo de paz, prestes a sucumbir ao primeiro tiro, no conflito que opõe regiões e populações inconciliáveis pelo preconceito e pelo dogma, como aqueles que distanciam a sombria e guerreira Donetsk da colorida e ensolarada Lviv, obcecada de ocidente e de modernidade. Infelizmente, não é de se esperar sob um ponto de vista real a pacificação pura e simples do conflito que em pouco mais de nove meses ceifou quase 6 mil vidas, além dos desvarios de barbárie incontida, como o abatimento do avião da Malaysia Airlines, com seus 298 passageiros, e que estarreceu o mundo.

Opinião unânime dentre os think tanks europeus é a de que tudo que Putin e seu arguto chanceler Sergei Lavrov não desejariam na atualidade (por não poderem pagar) seria uma guerra declarada e desmascarada com qualquer vizinho. Também a Europa se vê diante de tamanhas crises internas que seria imponderável tolerar conflito bélico às suas barbas, a comprometer interesses estratégicos e econômicos vitais. Com toda a experiência histórica do fracasso das políticas de apaziguamento, a par das bravatas de paz armada com equipamentos obsoletos e de poder militar decadente que hoje se verificam, os amantes de biografia lamentam ausências ilustres e que poderiam estar à altura dos tremendos desafios presentes, como as figuras de Konrad Adenauer, Charles de Gaulle e Winston Churchill.

Jorge Fontoura, doutor em Direito, é analista de política internacional.

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