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O presidente da Câmara alega "crise institucional" na questão da perda do mandato dos mensaleiros condenados, mas os ministros do Supremo estão apenas fazendo o seu trabalho: interpretar a Constituição

O Brasil não estava acostumado a ver poderosos políticos corruptos condenados à prisão. O costume pátrio, que soava até como algo natural, é de que fossem mantidos impunes, protegidos por imunidades e foros privilegiados, pelo tráfico de influência e por advogados bem pagos, hábeis em levar ao limite as chicanas possíveis da legislação processual. De repente, eis que o Supremo Tribunal Federal (STF) decide que muitos dos réus implicados no esquema do mensalão, incluindo parlamentares no exercício do mandato, deveriam purgar suas culpas atrás das grades e/ou pagar pesadas multas pecuniárias. Pelo inusitado, um verdadeiro espanto!

Por outro lado, não faz muito tempo, o país festejou a promulgação da Lei da Ficha Limpa – dispositivo que nasceu da iniciativa popular com o objetivo de barrar a participação na vida pública de pessoas condenadas por colegiados judiciais em razão de determinadas práticas criminosas. A lei não foi ainda suficiente para promover a desinfecção necessária e no nível a que se propôs – mas não há dúvida de que os apenados pelo STF incluem-se entre cominações.

Há, ainda, a Constituição Federal, que, no capítulo que trata da organização do Estado republicano, prevê a coexistência independente (mas harmônica) entre os três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A nenhum é dado interferir nas competências do outro. E é esta disposição constitucional que mantém em pé o Estado Democrático de Direito. É ela um dos sustentáculos da democracia e do vigor das instituições. Quando, porém, ocorrem invasões indevidas nas respectivas esferas, dá-se o que se denomina de "crise institucional".

Juntem-se duas realidades – as decisões do Supremo e a existência da Lei da Ficha Limpa – para que fique clara a consequência óbvia: o mandato dos parlamentares condenados deve ser cassado. Mas resta uma dúvida decorrente da cláusula constitucional: a quem cabe cassá-lo? A decisão deve ficar para a Câmara dos Deputados, ou pode o próprio STF declarar a perda de mandato dos membros de outro poder? É essa a questão que os ministros devem terminar de analisar hoje.

O presidente da Câmara, deputado Marco Maia, já manifestou sua decisão de não obedecer ao Supremo se este decidir pela imediata cassação dos mensaleiros. Em sua avaliação, trata-se de uma intromissão indevida do Judiciário no Legislativo, o que caracterizaria a crise institucional. Avaliação equivocada, pois os ministros do STF estão exercendo seu trabalho de interpretar os artigos da Constituição que tratam da perda de mandato; não se trata de intromissão, e sim de cumprir a missão para a qual foram indicados.

Afora a percepção implícita de que age movido por mero espírito corporativista, aflora outra que não engrandece a atitude do petista Maia, pois lhe parece mais importante instigar o embate e a desarmonia institucional que cumprir a lógica. E a lógica, fundamentada especialmente nos princípios da legalidade e da moralidade, é uma só: condenados não podem pleitear cargos eletivos e muito menos exercê-los. Logo, nenhuma crise institucional precisaria prosperar – ou nem sequer ser mencionada – se, por iniciativa própria ou não, o Legislativo tratasse logo de cumprir sua obrigação.

A nação não pode ficar sujeita a uma suposta "crise institucional" em razão da visão turva de Marco Maia, que deriva de uma interpretação simplória, acessória e ocasional a respeito dos limites e prerrogativas dos dois poderes, Legislativo e Judiciário, sobre o destino a ser dado ao mandato de alguns poucos parlamentares que, por se terem embrenhado em atividades criminosas, desrespeitaram a própria instituição.

Melhor para o país e suas instituições se, tão logo tivessem sido proclamadas as sentenças do STF, o próprio Legislativo cumprisse a sua parte. Ao contrário da suposta "crise", teríamos o fortalecimento da nossa ainda pouco experiente democracia.

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