• Carregando...

A sociedade secular legitima suas condutas em cima da universalidade e a da fundamentação livre das premissas religiosas. Norberto Bobbio defendia o Estado laico, que não deveria ser nem religioso e nem ateu, nem cristão e nem não cristão. Não representaria uma nova cultura, mas uma condição de sobrevivência em harmonia para todas as culturas. A experiência moral, então, seria uma construção humana, sem uma fonte externa de valores.

A legalização das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil seguiu estes princípios. A Lei de Biossegurança procurou ser universal, ao atender aos anseios da sociedade brasileira, que majoritariamente era favorável a elas naquele momento, e preferiu ficar livre das premissas religiosas. Mas encontrou no seu caminho a rigidez do método científico.

As pesquisas com células-tronco embrionárias para tratamento de doenças crônico-degenerativas, recuperação de traumas medulares e até para a cura do câncer não se mostraram efetivas até agora. Na medicina não existe panaceia que resolva todos os males. A ciência, infelizmente, não evolui por meio do otimismo e do entusiasmo dos pesquisadores, mas com a superação de paradigmas.

O método científico é rígido e inflexível, e a verdade científica, passageira – ao contrário da verdade teológica, proveniente da revelação divina, que é dogmática e supostamente perene em suas fundamentações. Assim, as religiões, em geral, são contrárias ao relativismo moral, à dessacralização da vida e ao uso de alguns seres humanos em detrimento de outros.

Assim, é natural, por exemplo, que a Igreja Católica venha em defesa da vida humana. Para ela, o homem possui um princípio vital que é diverso daquele existente nas plantas e nos animais, dando-lhe a capacidade de desenvolver atividades imateriais e espirituais, tais como o pensamento, a vontade e a consciência moral. Mesmo que a alma não esteja presente desde o início do desenvolvimento, o ser humano, pela sua potencialidade, merece proteção e respeito em todas as fases em que se encontre.

O embrião humano, contudo, permanece ainda sem um estatuto ontológico. É considerado para alguns um amontoado de células e, portanto, objeto disponível para pesquisa. Para outros, é um ser humano em fase inicial e que merece o mesmo respeito e proteção dado aos outros seres humanos. Não existe consenso entre os cientistas em relação a estas posições contraditórias, mas, na dúvida, pró-réu. E este é o grande dilema ético provocado por estas pesquisas.

As células-tronco embrionárias produzem teratomas em animais de laboratório. São tumores em sua maioria benignos, mas que já demonstram o potencial oncogênico destas células. Isso já era conhecido quando da aprovação da Lei de Biossegurança. Em oncologia, as células-tronco vêm sendo consideradas como as principais responsáveis pela resistência dos tumores aos tratamentos quimioterápicos e pela sua maior agressividade e potencial para recidivas e metástases. Por outro lado, as pesquisas com células-tronco adultas, não de origem embrionária, têm apresentado resultados positivos importantes no tratamento de diversas doenças e os riscos oncológicos e de rejeição são menores. Além disso, não enfrentam a oposição teológica.

James Thompson e Shinya Yamanaka, em 2007, conseguiram produzir células com potencial de células-tronco embrionárias a partir de células da pele. Este avanço foi premiado com o Nobel neste ano. Razão e fé, então, finalmente se encontraram.

Cícero Urban, médico oncologista e mastologista, é professor titular de Metodologia Científica e Bioética no Curso de Medicina e na Pós-Graduação da Universidade Positivo.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]