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A Secretaria de Ação Social, entregue à futura primeira-dama de Curitiba, guarda desafios tão grandes quanto o transporte público ou a qualidade do ensino básico

A nomeação da mulher de Gustavo Fruet, prefeito eleito de Curitiba, para a Fundação de Ação Social (FAS) fez torcer os narizes. A reação nada tem a ver com o truque da Feiticeira Elizabeth Montgomery. Não faz mágica. Os narizes torcem ora em repúdio a políticos inseguros que se cercam de parentes em cargos de confiança; ora para manifestar a crença de que a ação social é um cargo decorativo, uma extensão da sala de visitas da primeira-dama – o que quer que essa expressão signifique depois que o Brasil conheceu dona Ruth Cardoso.

O caso merece um dedo de prosa. Márcia Oleskovicz Fruet não será a única parente do prefeito nas cúpulas municipais. A irmã do novo prefeito – Eleonora Fruet, que dispensa apresentações – também está lá. Nepotismo, sem dúvida, embora seja difícil imaginar um gestor público sério que não quisesse uma profissional como ela em seu grupo de trabalho. Quanto a Márcia, terá mais lenha a cortar, em prova de sua eficiência. Não será fácil: a Fundação de Ação Social nada tem a ver com a fina estampa do poder, ainda que possa ser usada para tanto.

Parte da ignorância em torno da ação social, aqui e em outros lugares, é culpa dos próprios governantes, que insistem em fazer uso assistencialista e eleitoreiro do setor. Exemplos, a rodo. Sabe-se do incômodo que isso representa para a secretaria que enfrenta a miséria das ruas, a exploração sexual de crianças e adolescentes, a fome, a violência, os problemas mais básicos das famílias. Se algo fere a FAS com uma lança, é ser confundida com uma distribuidora de cestas básicas ou uma central de banhos para mendigos.

É improvável que o novo grupo que chega ao Palácio 29 de Março seja leigo no assunto. A senhora Fruet é jornalista de formação e conhece por suas lides em que pântano está pisando. É injusto achar de antemão que ocupará o posto de bibelô de luxo que gasta seu tempo num cargo de fantasia. A realidade há de se impor logo nos primeiros dias de gestão, exigindo de dona Márcia o misto de frieza e grandeza que move os estadistas.

A FAS não é para amadores. São mais de mil funcionários e 130 equipamentos. À revelia das críticas que costuma receber do movimento social – com o qual vive uma relação de tapas e beijos –, é impossível não reconhecer que é uma peça-chave da engrenagem urbana. Na periferia, todos os dias, tem alguém da fundação descendo da Kombi do Resgate e entrando em uma casa onde mora uma família arruinada pelas drogas ou pela violência para oferecer ajuda ou simplesmente dando uma palavra. É civismo máximo.

Se há problemas a superar? Às pencas. E são tão urgentes quanto a educação básica ou a mobilidade. O setor de ação social virou de canelas para o ar no governo Lula. Avantajou-se – a exemplo da criação dos Centros de Referência em Ação Social, os Cras –, mas também se tornou mais imediatista, marqueteiro e alheio aos processos mais sólidos de amparo, justo os que ajudam a cicatrizar a chaga social brasileira. Sabe-se da sensação de abandono que deprime os abrigos de crianças e adolescentes, agora atropelados pela lógica empresarial aplicada à assistência. Merecia um amplo debate – e que fique registrado: espera-se que Márcia Fruet o promova.

Não é a única tarefa que a secretária terá de colocar em seus propósitos de ano-novo. A própria fundação demonstra sinais de cansaço. Em matéria recente publicada pela Gazeta do Povo, verificou-se que parte da população mendicante, adulta ou não, domesticou o atendimento da FAS e tende a fazer uso dele a seu bel-prazer. É questão delicada. São cada vez mais vagos os limites do que se pode ou não se pode fazer quando um adulto está drogado ou quando uma criança está sendo abusada por um grupo de rua. No meio do vácuo, resta a inércia.

Os próprios servidores da fundação reclamam na surdina da cultura de hotelaria que se instala aos poucos no sistema. Há mesmo entre eles quem solte farpas contra o Estatuto da Criança e do Adolescente. E há muitos que veem no atual estágio da assistência uma crise existencial profunda. Não foram apenas os pobres que se acostumaram a ser atendidos. A própria sociedade se acomodou em repassar para a secretaria uma questão que também lhe pertence.

São motivos o bastante para Márcia Fruet não dormir. Os problemas que cairão no seu colo de primeira-dama, afinal, não cabem numa sala de visitas.

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