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O presidente Lula tem o direito de escolher Juscelino Kubitschek como paradigma pessoal e seus críticos têm o direito de azucriná-lo pela escolha. O presidente pode fazer um escarcéu contra as aves agourentas, seus detratores têm o direito de duvidar de suas proclamações.

Os intelectuais próximos do PT têm o direito de fazer uma algazarra em homenagem ao centenário de Jean-Paul Sartre lembrando o seu silêncio diante da capitulação ao nazismo e a Petrobrás tem o direito de financiar este video convescote com os Amigos do Rei, assim também o Ministério da Cultura que depois da longa temporada européia afinal reabriu sua agência no Planalto.

Os semanários têm o direito de compensar sua inutilidade ao longo da semana com o agito das sextas, os especuladores têm o direito de ganhar o seu rico dinheirinho à custa da balbúrdia geral, os governistas têm o direito de berrar seus feitos e os oposicionistas de esgoelar-se, indignados. Para participar desta assuada federal não é necessário ter a disposição de ouvir.

Basta ter voz. E soltá-la. Critica-se o presidente Lula pela falação diária, mas ele não tem culpa. Alguém inventou que a fala do trono deve ser diária para provar que o trono está ocupado, ele apenas segue a praxe. Oferecem-lhe um poderoso microfone e ele, protocolar, não pode recusá-lo.

A lalomania reinante não é invenção sua, é uma mórbida loquacidade (lálos, do grego, tagarela) que na Terra dos Papagaios, evidentemente, é mais colorida e exuberante. O presidente da República teve o privilégio de conviver com as melhores cabeças e as melhores vozes da nossa intelligentsia, delas absorveu um precioso cabedal retórico.

Ao longo de quase três décadas participou de um "intensivão" acadêmico que em termos normais equivaleria à soma de mestrado, doutorado, pós-doutorado e livre-docência. Agora, generoso, socializa este conhecimento.

Tem mais autoridade do que seus orientadores que falam de oitiva: Lula sabe como se arregimentam multidões e como, depois de desfeitas, pesa a solidão. Já experimentou a louvação desbragada e o desprezo mal disfarçado. Compartilhou a alegria de premiar companheiros e a dor de entregá-los para salvar o seu mandato. Lula, hoje, é mais filósofo do que os filósofos contratados para disfarçar seus sentimentos de culpa com a verborragia empolada.

Este longo colóquio sobre o "Silêncio dos Intelectuais" recém-começado e que deve estender-se até outubro é um grande réquiem para o pensamento livre e a inteligência independente. É uma exibição do aparelhamento de grande parte de nossas academias e o seu solene desprezo pela realidade. Com raríssimas exceções – Sérgio Paulo Rouanet é uma delas –, a arrevesada homenagem a Sartre converteu-se na consagração do engajamento. Não é um preito à liberdade de pensar, mas ao fascínio pelo poder.

É o oposto do primeiro manifesto dos intelectuais de que se tem notícia para protestar contra a condenação do capitão Alfred Dreyfus. Em janeiro de 1898 reuniram-se os liberais, os anarquistas, os socialistas, os republicanos, os sionistas e as sufragistas de todo o mundo numa amplíssima frente contra os conservadores, os anti-semitas, os clericais, os monarquistas. Defendiam-se valores permanentes e não agremiações transitórias.

A tragédia brasileira não é surda, íntima. Ao contrário, é falada. Mais do que isso, vociferada, sua intensidade mede-se em decibéis. O baticum retórico substitui o coro das tragédias gregas. Troca-se a mudez que amplifica o sofrimento pelo estrépito que o disfarça. No lugar do velório dolorido e quieto, o falatório cruel, interminável.

Nossa tragédia é esta zorra.

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