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No ranking da violência brasileira, Curitiba ocupa o sexto lugar, o que é chocante! Em meio às análises abalizadas está a comprovação da coexistência no dito coração humano de duas tendências: a propensão ao bem e ao mal. As diversas formas malignas de destrutividade fazem ressurgir a celeuma sobre a preponderância do mal e a supremacia da violência sobre a razão. Pensamento que reforça o injusto estigma de "cordeiros" aos que persistem na prática do bem e de "lobos" aos chamados espertos. Tantas formas de agressão são motivadas pelo inconsciente, segundo os especialistas, e se tornam compreensíveis se considerada a dinâmica do comportamento humano, incluídos raízes, ritmo e energia que as formulam.

A forma mais normal e não patológica da violência é a recreativa, exercida com o fito de mostrar perícia, desmotivada de ódio ou destrutividade, sem intenção de destruir. Os jogos guerreiros de tribos primitivas, a esgrima dos zens, as brigas de galo, o vale-tudo, a tourada, a farra do boi são alguns exemplos. A morte, se ocorrida, é circunstancial embora não possa ser descartado um pendor inconsciente à agressão por trás da lógica do esporte, seja direta ou através de animais. A violência reativa posta à defesa da vida, da liberdade, da dignidade e da propriedade – de si ou de outrem –, advém do medo da perda, que pode ser real ou imaginário, consciente ou inconsciente. É violência a serviço a vida, não da morte. Que busca preservar, não destruir.

Não vem de paixões irracionais, ainda que tenha sido manipulada por líderes políticos e religiosos, os quais persuadem seus adeptos à adoção de hostilidades e ofensas reativas contra pretensos inimigos. Há exceções, é claro. Tal persuasão é afirmada pela ausência de pensamento independente e pela dependência emocional. Situa-se aqui a paranóia de perseguição em que alguém sentindo-se em perigo reage agressivamente. A violência reativa é, não raro, fruto de frustração a um desejo, necessidade, inveja ou ciúme, cuja versão clássica retrata a morte de Abel e a venda de José pelos irmãos. Embora reativa, a violência vingativa não tem função de defesa e tramita no irracional: desfazer magnificamente o que já foi feito realisticamente.

A vingança pela "lex talionis" – olho por olho – serve aos que não desfrutam de independência plena, que colocam sua existência na ânsia de desforra eleita como meta predominante. Sem vingança, a auto-estima e o sentimento de identidade vão água abaixo. Já os produtivos não mostram tal necessidade, neles a capacidade de viver qualitativamente é mais forte do que a vingança. Outra fonte destrutiva provém do desmoronamento da fé na bondade, no amor, na verdade, na justiça. Na infância, os seios maternos, o carinho protetor dos braços paternos, a atenção diuturna dos avós e, mais tarde, dos professores, podem transformar a fé e a confiança em descrença se detectada por uma mentira, covardia, injustiça, omissão ou ato violento. Na adolescência, o rompimento pode ocorrer pela atitude de outras referências.

Como a traição de um amigo, de um amor, de um mestre, de um líder político ou religioso. Tal ruptura pode ocasionar a abertura a novos afetos e até a independência no aspecto positivo. Mas no negativo pode precipitar uma atitude cética no outro extremo, buscando a compensação pela perda da fé na vida em objetivos mundanos, como poder, prestígio e dinheiro. Não raro, vem o ódio à vida, a descrença em tudo e em todos, a culpa em Deus, o bem mera quimera. Ao querer provar que a vida é má, as pessoas são más. Também ele, o injustiçado, é mau, cínico, destruidor. Sendo a destrutividade filha do desespero, o desapontamento com a vida acaba levando o indivíduo a odiá-la. E ante a incapacidade de mudar o mundo tenta deixar sua marca – maligna – nele.

Vincula-se aos poderosos com a ilusão de influenciar ou nutre-se da sede de sangue, em que matar é a grande auto-afirmação e ser morto a única alternativa. Vinga-se da vida por ela ter se negado a ele. Quem não cria quer destruir e o Calígula de Camus, além de peremptório, é ilustrativo: "Vivo, mato, exercito o elevado poder de destruidor, comparado ao qual o poder de um criador é brincadeira de criança." Nessa violência compensatória estão o sadismo do domínio sobre outrem, intensificado pela perda de liberdade do dominado. Uma violência conseqüente de vida não vivida porque deturpada, que só será debelada pelo desenvolvimento do potencial criador do indivíduo e pela capacidade de tornar coletivamente produtivos os seus poderes. Nem lobos nem cordeiros, existirão felizmente então seres humanos.

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