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No dia 5 a Constituição Federal completou 24 anos. É o período mais longo sem quarteladas, golpes, insurreições. A Carta Republicana durou de 1891 a 1930; contudo, foi época turbulenta, com brasileiros derramando sangue brasileiro por motivação política. Nessa medida, há muito a comemorar, mas não é o caso de idolatrar o texto cuja amplitude enciclopédica é causa imediata do "emendismo", doença pueril do Brasil. A opção pelo texto analítico, aparentemente apto a vedar as frestas para a ressurreição das práticas políticas antigas e a rotina dos golpes de Estado, aprisionou os pósteros.

Embora, às vezes, o futuro repita o passado, o tempo não para e o processo político acontece hoje, não ontem. O resultado disso é que todas as candidaturas à Presidência da República lançadas pós-1988 programaram a mudança da Constituição. Os candidatos não eram apóstatas desejando afastar as venturas trazidas aos mortais pela Assembleia Constituinte. Eles apresentaram propostas para o zeitgeist dos seus eleitores que não é o mesmo de 5 de outubro de 1988.

O "emendismo" tem causa arquitetônica e, como todo mal estrutural, é insidioso, quase imperceptível. Para governar sincronicamente, os políticos se veem diante do imperativo de mudar o texto constitucional que envelhece sem viver e, para isso, precisam de maioria qualificada. Para conquistar e manter essa gigante base de apoio, anômala em qualquer democracia, o instinto de sobrevivência política embaça as luzes morais. O caráter analítico do texto constitucional, com a sua rigidez nanquim-celuloica, enseja o nivelamento da ação política por baixo todos os dias, todos os minutos. Script que estimula a vilania dos atores durante a representação. O mensalão é efeito direto da imperiosa necessidade de mudar o texto constitucional para governar a rotina do país.

Se a constituição fosse sintética, sem normatizar o ordinário, o governo precisaria de 55% do Parlamento; com 45% de oposição, a democracia ganharia em qualidade e os partidos não seriam deformados pela força gravitacional do dinheiro manipulado por quem governa.

Analogicamente se pode explicar o problema: ao ser constituído, o corpo humano está nu e ignorante, pronto para usar inúmeras vestes e adereços ao longo da existência. Além disso, acumulará conhecimentos, formará e mudará de opinião sobre as coisas da vida. Se ideias e adereços forem adicionados indelevelmente pelos genitores, cada decisão de modificação será muito custosa, sofrida. Imaginem algum modismo de tatuar bebês. Quando o bebê se tornar adulto, e a tatuagem restar démodé, quanto sofrimento para eliminá-la? Foi isso que os constituintes de 88 fizeram conosco: tatuaram suas preferências circunstanciais no nosso corpo político. Apagar ou mudar tatuagem é muito mais caro que desenho de henna para durar o verão.

Só uma constituição sintética gerará o arranjo dinâmico estável do processo político brasileiro que é condição, não resultado, do desenvolvimento econômico e social. O aniversário da Constituição Federal enseja comemoração pelo que já fizemos e reflexão sobre o quanto falta fazer.

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