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O discurso pronunciado pelo presidente da República perante os membros do Conselho de Desenvolvimento, assegurando a determinação de superar a turbulência atual sem recorrer a gestos extremos, foi a primeira manifestação direta do chefe de governo ante a crise política. No dia anterior, os dirigentes dos outros poderes e órgãos superiores – Senado e Câmara, Supremo Tribunal e Ministério Público – haviam reiterado apoio à normalidade institucional. Essa é a linha predominante na opinião pública brasileira: punição aos transgressores da ética republicana, aperfeiçoamento das instituições políticas, mas continuidade da vida nacional.

A sociedade espera que, à luz dos desvios já revelados nas investigações conduzidas pelas CPIs e outros órgãos apuradores, os culpados sejam objeto de sanção política e criminal; como também aguarda que o desdobramento desses trabalhos leve a recomendações sobre melhoria de controles e procedimentos administrativos em órgãos públicos, além de aperfeiçoamento das instituições que integram o sistema político-eleitoral. Mas a crise precisa ter seu horizonte de conclusão, sob pena de travar o Congresso e a atividade política regular; no limite, criando sobressaltos que aproveitam a especuladores dos mercados, prejudicando a produção e o trabalho numa nação ainda em fase de construção econômica.

Nesse sentido, destacamos o encontro convocado pelo presidente da República, no meio da semana, com autoridades do primeiro escalão federal, notadamente os dirigentes do Congresso, dos tribunais superiores, da Procuradoria da República mais o ministro da Justiça. O ideal é que o sr. Lula da Silva tivesse estendido o convite a poucas outras autoridades – líderes da maioria e da minoria do Congresso, e cidadãos investidos de mandato num órgão específico – para configurar a convocação do Conselho da República preconizada pelo presidente da Ordem dos Advogados, Roberto Busato. Se esse Conselho tivesse sido formalmente convocado, suas recomendações teriam caráter institucional, contribuindo para reforçar a legitimidade das propostas anunciadas.

De fato, a gravidade do momento, sobre dispensar o recurso a pronunciamentos de improviso, recomenda um tratamento de ordem institucional que assente nos princípios fundadores da República, regime que tem seu princípio na virtude dos cidadãos chamados a dirigi-la – segundo a clássica e boa lição de Montesquieu, Rousseau e outros pensadores. É nessa dimensão legitimadora que apoiamos o respaldo do Conselho da República a atos extraordinários: a eventual redução do prazo constitucional para mudanças da lei eleitoral, revisão de receitas e despesas e, mesmo, a apuração de responsabilidades especiais envolvendo figuras de alto nível.

De modo, a volumosa quantidade de dados que as três Comissões de Inquérito em funcionamento no Congresso têm acumulado autoriza a expectativa de que muitas figuras que operaram fora do limite das "regras do jogo" democrático devem ser afastadas. Essa autodepuração é fundamental para resgatar a legitimidade da fórmula representativa de nosso regime, abalada com a sucessão de escândalos revelados pelos depoimentos dos últimos meses. Tanto que já existem teóricos defendendo a adoção de uma democracia direta, pela qual as decisões substanciais devem ser tomadas pelo próprio povo – como sustentou o jurista Fábio Comparato em recente conferência proferida em Curitiba.

Essa proposta surge como alternativa ao silêncio dos intelectuais até há pouco engajados na corrente situacionista, quebrado com constrangimento por figuras destacadas como a filósofa Marilena Chauí ou o compositor Chico Buarque. A propósito dos debates gerados com essa situação e a cobertura da crise, o papel da boa imprensa é de isenção, conforme expressou Walter Lippmann, jornalista americano da primeira metade do século 20: "A função da notícia é sinalizar um acontecimento; a função da verdade é trazer à luz fatos ocultos, formando um quadro da realidade, dentro do qual as pessoas possam agir".

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