• Carregando...

Tudo indica que as instituições fortes e democráticas dos países desenvolvidos enfrentarão, nos próximos anos, a desafiadora tarefa de implementação da transição – inevitavelmente cara – para uma economia global de baixo carbono. Nos EUA e na Europa, políticas energéticas e legislação nova provavelmente imporão taxação sobre emissões de gases de efeito estufa, criarão mercados de direitos de emissão e estabelecerão cotas obrigatórias de energias renováveis, encarecendo as contas de eletricidade e de combustíveis.

Esses países – racionais, posto que desenvolvidos – certamente adotarão uma política inteligente de reciclagem do consequente aumento de arrecadação fiscal, para atenuar o impacto do encarecimento geral da energia e realçar o aspecto positivo de que a nova indústria de energias limpas, fortemente baseadas em inovações tecnológicas, oferecerá uma formidável plataforma para geração de renda e "empregos verdes".

Enquanto isso, em Pindorama – sempre na contramão – aumenta-se a velocidade da transição para uma economia nacional de alto carbono. Bastam dois exemplos – um referente a combustíveis e outro à eletricidade – para ilustrar como as nossas instituições, fracas e equivocadas, podem permitir tamanho atraso.

A resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de 2002, que tornava obrigatória, a partir de janeiro de 2009, a utilização do diesel S50 – com 50 partes por milhão (ppm) de enxofre – em todos os veículos diesel do país, não foi cumprida "por falta de tempo": a norma ficará limitada a frotas cativas de ônibus urbanos nos municípios de São Paulo e Rio. Os demais ficarão liberando de 1.800 a 2.000 ppm por mais algum tempo... Talvez somente a partir de 2014, seja implementado o limite máximo de "apenas" 500 ppm de enxofre para todos os veículos diesel de todo o país.

Em outras palavras, mais uma lei que "não pegou": o prazo (expirado) de 7 anos passou para 12 anos, o critério (50 ppm, muito europeu) foi flexibilizado mediante a multiplicação por 10!

Quanto à geração de eletricidade, cada novo leilão da chamada "energia nova" escancara ainda mais a tragédia nacional da substituição de energia hidroelétrica – limpa, renovável e abundante – por energia proveniente de usina térmicas – poluente, não-renovável e duas a três vezes mais cara, mesmo ainda sem qualquer taxação sobre a emissão de gases de efeito estufa. Tudo por conta do que se convencionou chamar de "judicialização/ideologização" do processo de licenciamento ambiental.

No Paraná, há pelo menos três exemplos de projetos hidroelétricos "judicializados/ideologizados": i) Tijuco Alto, no Rio Ribeira, que tramita pela justiça e por órgãos ambientais (pasmem!) há mais de vinte anos; ii) Mauá, no Rio Tibagi, obra iniciada com atraso causado por medida liminar concedida no âmbito de Ação Civil Pública de 1999, agora ameaçada por nova medida liminar, concedida no âmbito de Ação Civil Pública de 2006; iii) Baixo Iguaçu, empreendimento licitado em 2008, afetado agora pela decisão do Instituto Chico Mendes, responsável pelo Parque Nacional do Iguaçu, de voltar atrás na autorização que ele mesmo havia dado para a obra...

Esses três problemas – e muitos outros semelhantes – estão ocorrendo em um país cuja previsão de aumento da demanda de eletricidade nos próximos 25 anos oscila entre 112 gigawatts – o equivalente a 8 usinas de Itaipu – e 168 gigawatts – o equivalente a 12 usinas de Itaipu. As estimativas dependem de a taxa anual de crescimento ser de 3% ou de 4%, respectivamente.) A grande pergunta, então, é: se tivermos de construir usinas com potência elétrica equivalente a 12 Itaipus em 25 anos, quanto será hidráulico e quanto será térmico?

Em recente artigo ("Goethe, energia e meio ambiente", Gazeta, 28/12) manifestamos nossa inconformidade com as dificuldades criadas para o aproveitamento dos recursos hídricos nacionais. Vale a pena reproduzir um parágrafo inteiro: "As pessoas e organizações que decidiram equivocadamente insurgir-se contra hidroeletricidade perderam de vista que as suas ações não têm o condão de impedir o crescimento da demanda e que terminamos construindo obras ambientalmente piores, com outras tecnologias. Não reconhecem que impactos ambientais sempre existirão e que interessam-nos, na verdade, as alternativas viáveis de menor impacto."

Entre essas pessoas equivocadas, há até quem alegue que interesses privados (que seriam os lucros dos empreendedores de usinas hidroelétricas) estariam se sobrepondo a interesses de natureza pública (como equilíbrio ambiental e direitos coletivos de minorias). Na verdade, é exatamente o contrário. O interesse público é que está sendo respeitado quando se procura a produção de energia de menor impacto ambiental, dentre todas as formas técnica e economicamente viáveis. Nesse contexto, o interesse – ainda que coletivo – das pessoas afetadas em seus modos de vida pela implantação de obras hidrelétricas é que assume o caráter de interesse particular. E os lucros dos empreendedores nada têm a ver com o assunto: se necessário, ele será procurado em outras tecnologias, como termonuclear, ou em outras áreas de carências infraestruturais, ou ainda, o que seria lamentável, em setores econômicos de menor risco.

Para contornar os obstáculos que têm sido colocados no caminho da adequada exploração dos recursos hídricos para a geração de energia elétrica, muitas vezes os projetos vão sendo alterados de forma a diminuir a área alagada. Além de diminuir-se a potência instalada, a redução dos volumes úteis dos reservatórios prejudica a importante função de regularização das vazões. No jargão técnico, pode-se dizer que o sistema hidroelétrico brasileiro vai tendendo, de forma que poderia até ser considerada predatória, para um sistema subdimensionado e operado "a fio-de-água".

A inteligência brasileira fica assim duplamente agredida: à injúria de instalarem-se usinas térmicas em decorrência da postergação das hidroelétricas, soma-se o insulto de as novas hidroelétricas, quando implantadas, serem subdimensionadas e acrescentarem cada vez menos armazenamento ao sistema.

Francisco Luiz Sibut Gomide, Ph. D., é engenheiro e economista. Foi Ministro de Minas e Energia, diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, presidente da Copel e professor titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]