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150 dias “antiliberais” no meio ambiente
| Foto: Pixabay

No mundo corporativo, governança é sinônimo de profissionalismo. É o sistema pelo qual se relacionam sócios, conselho, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. Quanto mais transparência e estabilidade, melhor a qualidade dessas relações e o nível de confiança entre as partes. No caso do Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES, uma agenda “antiliberal" foi colocada em pauta pelo ministro do Meio Ambiente. Ricardo Salles atua para eliminar as garantias de controle social e minar a confiança entre as partes do Fundo.

Com uma canetada. Foi assim que Bolsonaro extinguiu todas as instâncias de governança – conselhos, comissões, comitês e juntas – criadas por decretos ou por normas inferiores. No meio delas, uma de especial valor para o meio ambiente: o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, instituído em 2008 no BNDES, como parte de um inovador mecanismo de financiamento ambiental.

Segundo o Planalto, a extinção de instâncias de participação social visa reduzir custos. No caso deste comitê, ligado ao Fundo Amazônia, todas as despesas são bancadas pelos próprios investidores, que exigem mecanismos inclusivos de governança em contrato.

Com uma nova canetada, o presidente deve selar o destino final desse comitê: nestes dias, ele precisa confirmar com um novo decreto se o salvará ou não.

Desconstruir a governança do Fundo Amazônia vai afugentar investimentos

Essa decisão terá consequências importantes: se o extinguir, o presidente estará dizendo adeus ao Fundo Amazônia e ao polpudo recurso já aportado por Noruega, Alemanha e Petrobras. Se o mantiver, precisará provar que é capaz de seguir a cartilha de boa governança corporativa. Caso não faça isso, dará ao Fundo fim ainda mais dramático: poderá haver ruptura e até mesmo o pedido de devolução de parte dos recursos doados. Sem falar no sinal negativo para os demais investimentos internacionais.

O risco de insucesso em todas essas opções é real: o novo governo vem escorregando na tratativa da governança. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, causou constrangimentos ao acusar o BNDES de má gestão e bancar o órgão fiscalizador – tarefa que cabe à Controladoria-Geral e ao Tribunal de Contas da União. O ponto alto foi Salles chamar uma coletiva de imprensa para anunciar resultados de sua auditoria particular e, na ocasião, reconhecer que não havia necessariamente irregularidades. Apenas pontos para maiores investigações.

Considerado um modelo de transparência, equilíbrio de forças e participação mundo afora, o Fundo Amazônia já foi objeto de inúmeras avaliações independentes. Seu modelo é de aportes por resultados, isto é, investidores pagam ao Brasil por ter alcançado resultados positivos na redução de emissões de desmatamento no passado. Vale pontuar que esse tipo de mecanismo é muito comum no mercado: quanto mais o Brasil prova seu bom desempenho, mais chances tem de receber novos aportes.

Quem investe no Brasil não tem, no entanto, direito à voz nem a voto na orientação de investimento em projetos. O poder decisório sobre isso foi, até agora, totalmente do Brasil, por meio dessa instância da qual participam, em equilíbrio, governo federal, governos estaduais amazônicos, representantes do setor privado, da academia e organizações civis. A confiança dos investidores advinha da competência de gestão pelo BNDES e de não estar atrelado à gestão de um ou outro ministério.

Leia também: A gestão de espaços ambientais protegidos (artigo de Francisco de Godoy Bueno, publicado em 22 de maio de 2019)

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O que se observa é que, após dez anos de existência do fundo, o MMA parece disputar o protagonismo com o gestor, propondo mudanças no fundo sem pactuação com o BNDES e sem transparência. Isso gera um sinal muito negativo para as demais ações de governo que envolvem bancos e investidores. Imaginem se isso se proliferar pelas concessões de infraestrutura?

Enfrentamos forte contingenciamento de recursos e uma recessão econômica. Não é hora de espantar financiadores e investimentos. E nem quem tem capacidade de executar bons projetos em regiões remotas e carentes. Seria até antieconômico.

Ao expressar o desejo de limitar o uso de recursos por parte de organizações executoras de projetos na Amazônia, o governo atua contra a liberdade econômica e de ação dos indivíduos. Não há nada mais "iliberal" do que essa conduta. E, ironicamente, isso provocado por Salles, que defende abertamente o liberalismo econômico, a diminuição do Estado e o fim de mecanismos que limitem liberdades individuais.

Desconstruir a governança do Fundo Amazônia vai afugentar investimentos. O ministro Ricardo Salles arrisca-se a ter de cumprir a obrigação amarga de anunciar um desmatamento recorde e o fim do investimento externo dedicado ao controle em sua gestão. Por sua conta, para nosso risco. Pode, ainda, mudar a percepção de risco de investimento no Brasil. Para pior.

Natalie Unterstell é mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard e co-fundadora do Movimento Agora!

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