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Polônia, inverno 1943. É de noite. Um jovem pedreiro caminha na neve intensa que cai sem parar, deixando as paisagens de Cracóvia cobertas de gelo e neve. Tiritando de frio e de cansaço depois de uma jornada passada trabalhando pedras na pedreira Solvay, ele continua sem pensar no frio. Chega num antigo edifício do centro de Cracóvia, verifica que ninguém o seguiu, e entra sigilosamente. É a época da Gestapo, a polícia secreta de Hitler; quando ser judeu é uma sentença de morte e ser católico pode ser um risco. Mas Karol Wojtyła sabe exatamente onde está e o que está fazendo: acaba de entrar no seminário clandestino de Cracóvia. Tornar-se padre sob o regime nazista é proibido. Pode custar sua vida. Mas ele não hesita. Porque sonha.
Trinta e cinco anos depois, este mesmo Karol Wojtyła vestia o manto branco de João Paulo II – um dos papas mais influentes de todos os tempos. Seu impacto foi imenso: ajudou a derrubar o comunismo na Polônia, atraiu líderes mundiais em busca de conselho e moveu multidões. Em 1982, quase 5 milhões de jovens lotaram Manila para ouvi-lo; em 2000, mais 2,5 milhões encheram Roma. Tudo isso enquanto sua saúde se desfazia, consumido pelo Parkinson, mas ainda dono de uma presença que sacudia o mundo.
Hoje, 2 de abril, faz 20 anos que ele faleceu, e nós que o conhecemos nos lembramos com muito assombro. Às vezes com um pouco de nostalgia, também. Parece que não se acham mais no Brasil ou no mundo pessoas como ele. Não faltam homens com muito poder. Não faltam grandes oradores que enchem estádios de fãs. Sobram líderes religiosos famosos nas redes sociais. Mas falta algo. Algo essencial, quase esquecido. João Paulo II tinha essa coisa rara, difícil de nomear, mas impossível de ignorar: ele era, de fato, um homem.
Se você acha que estou exagerando, experimente perguntar a qualquer moça sonhando com o casamento. A resposta será como a que ouvi na saída da igreja domingo retrasado: “Padre, homem de verdade sumiu! Só sobrou um bando de bananas!”
Sobram líderes religiosos famosos nas redes sociais. Mas falta algo. Algo essencial, quase esquecido
Procuramos homens, mas achamos poucos. Porque a maioria pensa que ser homem é ser macho. É dominar sobre outro, é ter razão em todo momento, é conquistar garotas. Karol Wojtyla não viveu assim. Para estudar clandestinamente, ele tinha que caminhar na neve durante horas, no frio, enfrentando o medo de ser preso. Mas continuava. Não dominava sobre os outros, dominava sobre si.
A primeira audiência privada que João Paulo II concedeu como Papa não foi para um cardeal. Nem para um chefe de Estado. Nem para sua família. Foi para Jurek Kluger, um judeu, seu amigo de infância. Porque para Karol Wojtyła, não importava vencer debates teológicos, impor sua fé ou exibir autoridade. Importava o outro – mesmo que isso significasse quebrar o protocolo papal. Isso é ser homem. Como ele mesmo escreveu mais tarde: "O homem é forte quando sabe dominar-se a si mesmo, quando sabe vencer suas paixões, quando sabe amar com pureza e verdade”. Mas quantos homens assim ainda conhecemos?
Homens que tomam tempo para fortalecer seu corpo e seu espírito – João Paulo II “escapava”, às vezes incógnito, para passear ou esquiar nas montanhas nevadas da Itália. Homens que cuidam dos outros, mesmo quando ninguém agradece – o papa gostava de deixar bilhetes e mensagens pessoais de agradecimento às pessoas que o ajudavam nas suas viagens pelo mundo. Homens que não recuam diante da doença e do sofrimento.
No dia 1 de abril de 2005, o homem e o santo Karol Wojtyla dirigia estas últimas palavras aos quase 60.000 jovens que vieram acompanhar seus últimos momentos: “Eu busquei vocês. Agora vocês vêm a mim. Eu agradeço”. Porque a flor mais rara, aquela que só floresce na alma dos homens verdadeiramente autênticos, tem um nome simples e poderoso: gratidão.
Padre Matthieu Boo d'Arc, sacerdote da congregação dos Legionários de Cristo.
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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima