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Julgamentos trepidantes à vista, eleições no cardápio e reformas na pauta legislativa compõem um tripé reluzente do palco que se abre no ano que começa. Há, em verdade, um ínsito talento profético que emerge do simples fato de se ter um calendário com novo ano. Pode mesmo dar certo, mas é otimismo por mais realista que seja. A fé na vida, contudo, pode esconder muita coisa nas platitudes dos votos de bem-aventurança.

Ao menos três desafios conformam o script das esperanças no ano que começa: mais justiça e menos Judiciário como protagonista de espetáculos; mais Estado como gestor de transformadoras políticas públicas permanentes e menos governo como gerente retrospectivo do caos imediato; e mais responsabilidade cidadã e menos outorga de autonomia individual a messianismos de ocasião.

O primeiro é um imperativo da serenidade e agudeza com a qual deve se portar o julgador. Quando, na cena pública, o julgador se sobrepõe ao legislador há algo que merece atenção. Uma sociedade democrática se faz principalmente pelo respeito ao Estado de Direito que se funda na legalidade constitucional. Não pode o Legislativo ter um valor marginal, a reboque dos fatos.

É positivo o saldo da jurisdição constitucional brasileira. No entanto, a volatilidade dos julgamentos e as artes judiciárias na convivência com os demais poderes da República estão sob uma crítica observação.

O segundo desafio é de natureza estrutural. Cumpre extirpar o câncer do imediatismo e propor um espelho imagético para daqui dez ou vinte anos das atuações que serão, individual e coletivamente, levadas a efeito no ano recém-iniciado. Aqui, desempenha função central a atividade renovada pelos reptos da linguagem das ruas e dos seres invisíveis que ainda transitam no Brasil contemporâneo sem pão nem abrigo. Ao Legislativo toca atender ao interesse da sociedade, à luz dos anseios majoritários e do respeito aos direitos das minorias.

A terceira perspectiva apontada concerne ao valor do "sal da terra", à autodeterminação do sujeito como constituinte de sua própria história. Impende renovar a própria esperança. Alicerçá-la primeiramente dentro de si, fundando-a numa potencializada capacidade de renovação, sem outorgar essa possibilidade a um messiânico porvir. Não se deve subestimar a relevância do cidadão. Há espaço no Brasil que almejamos para um indivíduo social, ciente de suas responsabilidades (deveres e direitos, nessa ordem), como ator de uma nova realidade cuja identidade pressupõe o respeito à alteridade.

Há um desafio a vencer: a burocratização da esperança, óbice inercial para a sociedade que se quer edificar com liberdade e igualdade. É aí que calha ver um choque de plena cidadania e de republicanismo a fim de tornar ostensiva a face oculta da essência cultivada no Brasil como aparência.

Espera-se, para tanto, uma inspiração na "intensidade que ainda vibra", para utilizar a expressão cunhada pelo genial Paulo Leminski, ao se referir como biógrafo à transformadora mensagem humanística do Jesus primitivo.

O ano deve terminar com o adimplemento dos deveres da esperança semeada para todos. 2014 precisa, mesmo, acabar bem, para o bem do Brasil.

Luiz Edson Fachin, advogado, professor titular da Universidade Federal do Paraná.

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