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Desde os episódios de 8 de janeiro de 2023, o Brasil entrou em um ciclo institucional marcado por abusos de autoridade, violações ao devido processo legal e deterioração das garantias constitucionais. Em vez de buscar a estabilidade institucional, o Supremo Tribunal Federal tem promovido, por meio de decisões duramente questionáveis, um sistema de punição exemplar e política, em desacordo com os preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Os julgamentos relacionados ao 8 de janeiro transformaram-se em verdadeiros tribunais de exceção, com penas desproporcionais, ausência de individualização de condutas e, o mais grave, afronta direta à competência jurisdicional estabelecida pela Constituição. Por exemplo, réus sem foro por prerrogativa de função foram julgados diretamente pelo STF, o que configura nulidade absoluta processual.
A corte, que deveria atuar como guardiã da Constituição, assumiu um papel de inquisidor político, promovendo condenações em massa, ignorando o contraditório, a ampla defesa e o princípio da presunção de inocência. Advogados, no exercício da defesa de seus constituintes, tiveram, por incontáveis vezes, suas prerrogativas violadas, ao passo que o Conselho Federal da Ordem preferiu se silenciar diante do aviltamento dos direitos de seus pares e de seus clientes, seja por um silêncio ensurdecedor, seja por notas pífias, sem conteúdo, sem vigor. Esse comportamento institui uma velada ditadura do Judiciário, amparada por setores da esquerda e sustentada por uma elite política que utiliza o sistema de Justiça como instrumento de poder e controle social.
A concessão de anistia é prerrogativa política do Congresso Nacional, nos termos do art. 48, inciso VIII, da Constituição Federal. Trata-se de um instrumento constitucional de justiça restaurativa, próprio dos regimes democráticos, especialmente após momentos de convulsão social e institucional. Sua função é encerrar juridicamente conflitos cuja persistência comprometa a estabilidade e a coesão do tecido político e social.
É irônico e preocupante que muitos dos que foram beneficiados diretamente por aquela anistia – ou que dela se valeram politicamente ao longo das décadas seguintes – hoje se oponham, de maneira veemente e seletiva, à proposta de anistia aos acusados e condenados pelos atos de 8 de janeiro
Vale lembrar que o Brasil já recorreu a esse expediente em momentos críticos de sua história. A Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como Lei da Anistia, foi aprovada no fim do regime militar para perdoar crimes políticos cometidos tanto por opositores do regime quanto por agentes do Estado – o que possibilitou o retorno de exilados, restabelecimento de direitos civis e a reconstrução da institucionalidade brasileira. Foi uma medida de transição, imperfeita como qualquer anistia, mas fundamental para a redemocratização do país.
É, portanto, irônico e preocupante que muitos dos que foram beneficiados diretamente por aquela anistia – ou que dela se valeram politicamente ao longo das décadas seguintes – hoje se oponham, de maneira veemente e seletiva, à proposta de anistia aos acusados e condenados pelos atos de 8 de janeiro, entoando o grito de “sem anistia!” com fervor ideológico e oportunismo político. A memória seletiva, nesse caso, transforma o instituto da anistia em um privilégio de ocasião, e não em um instrumento jurídico imparcial de pacificação nacional, como de fato deve ser.
Ao parlamento cabe, portanto, a responsabilidade histórica de fazer valer sua autonomia, reafirmando que a anistia é um ato de soberania nacional, não de conveniência política. Afinal, a Justiça não pode ser exercida como vingança. A antecipação do Supremo Tribunal Federal em se manifestar junto à mídia estatizada, ainda que de forma indireta, sobre a inconstitucionalidade de um projeto de anistia que nem sequer foi votado em definitivo pelo Congresso Nacional, revela uma preocupante inversão de papéis no sistema republicano brasileiro. Ora, não cabe à corte atuar como comentarista política ou antecipar juízos de valor sobre normas em trâmite legislativo – especialmente por meio de veículos de imprensa alinhados ideologicamente ao status quo institucional.
Essa postura compromete a imparcialidade exigida do Poder Judiciário e fere diretamente o princípio da separação dos poderes. Mais do que indevida, tal manifestação pública é imoral, ilegal, inconstitucional e afrontosa à soberania popular, representada pelo Congresso Nacional. A Constituição não autoriza o STF a interferir ou constranger, por meios velados ou explícitos, o processo legislativo. Tal comportamento, por óbvio, agrava a crise institucional em curso e compromete a própria legitimidade da Corte, escancarando ainda mais a “ditadura da toga” imposta no Brasil.
O julgamento da constitucionalidade de uma futura lei de anistia só poderá ocorrer após sua promulgação e desde que haja provocação judicial adequada. Qualquer manifestação anterior é abuso de poder e desrespeito ao Estado de Direito. A corte, por seus ministros, não pode e não deve julgar com base em paixões políticas ou em consonância com narrativas de ocasião. Seu papel é técnico, jurídico e contramajoritário – não ativista, político ou editorialista.
Permitir que o STF atue como uma instância de veto político sobre os projetos do parlamento é aceitar a existência de um quarto poder não eleito, acima da Constituição e do povo. E isso é o que caracteriza, de forma inequívoca, a ditadura do Judiciário, promovida, registre-se, não pela instituição em si, mas pelos ministros que hoje a representam.
A anistia aos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro não é um instrumento de impunidade, mas de restauração da ordem jurídica e institucional. É a oportunidade de devolver ao Estado brasileiro sua feição democrática, plural e garantista. Manter condenações fundadas em processos nulos, decisões políticas e motivações revanchistas apenas contribuirá para aprofundar a cisão entre povo e instituições.
Se a democracia ainda for o regime almejado por todos – inclusive por aqueles que hoje a utilizam como escudo para consolidar seu domínio –, é imprescindível que o Parlamento exerça sua função com coragem e independência, resgatando a harmonia entre os Poderes e pondo fim a essa escalada autoritária. A anistia é, acima de tudo, um ato de coragem civilizatória. A história será implacável com os que, podendo pacificar o país, optarem pela vingança disfarçada de Justiça.
Orion Alves Rabelo Junior, advogado e ex-professor universitário, membro do Movimento Advogados de Direita do Brasil.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



