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O deslocamento do eixo do poder para o eixo ético nas análises de Michel Foucault, filósofo francês, só foi possível por meio de um deslocamento interno do próprio eixo do poder. Em um curso sobre a governamentalidade, em fevereiro de 1978, no Collège de France, Foucault passa a entender o poder enquanto governo. É um deslocamento fundamental, na medida em que a noção de governo permite agora falar do poder enquanto governo dos outros, de um biopoder. Não obstante, a noção de governo permite fazer um outro deslocamento, que consiste em passar do governo dos outros – biopoder – para o governo de si para consigo. É este deslocamento que permite a Foucault tratar da questão da ética.

O que um sujeito pode dizer redunda da questão do verdadeiro e do falso

Entretanto, ele procura mostrar na obra O Uso dos Prazeres, que o governo de si enquanto constituição do sujeito ético, refere-se a uma luta agonística e contínua contra a submissão e a sujeição do indivíduo pela norma e pela autoconsciência. Desta forma, a constituição do sujeito ético tem como pressuposto a resistência contra as técnicas de sujeição e os procedimentos de totalização adotados pela tecnologia do poder da pastoral da teologia cristã, transformados mais tarde em técnicas de exame e de controle sobre a individualidade e sobre o corpo, tanto por parte do poder jurídico quanto pelo psiquiátrico.

Diferentemente do processo de constituição do sujeito ético, a moral participa do saber e do poder constituídos, na medida em que supõe um modelo de sujeito determinado. Trata-se do comportamento real dos indivíduos em relação às regras e valores que lhes são propostos por meio dos diversos aparelhos prescritivos. Entretanto, a constituição da ética enquanto prática de si concerne a “maneira pela qual é necessário conduzir-se”. Esta maneira de agir é que caracteriza a prática de si e de certa forma indica a liberdade do sujeito moral diante dos elementos prescritivos.

A diferença fundamental entre a moral e a ética enquanto prática de si consiste em que a ética, diferentemente da moral, é uma estética que exige uma concepção de sujeito enquanto artista, enquanto escultor de sua automodelação. A ética enquanto estética da existência se inscreve assim numa história da verdade, na qual a subjetividade refere-se ao modo pelo qual o sujeito realiza a experiência de si num jogo de verdade em relação a si mesmo. É sobre esta subjetivação e objetivação de si mesmo, seu desenvolvimento mútuo e seu lugar recíproco que nascem o que se poderia chamar de jogos de verdade; ou seja, não a descoberta de coisas verdadeiras, mas as regras segundo as quais, a propósito de algumas coisas, o que um sujeito pode dizer redunda da questão do verdadeiro e do falso. Este texto foi elaborado a partir do artigo “A autoconstituição ética no pensamento de Michel Foucault”, de César Candiotto, o qual poderá ser consultado para uma análise mais aprofundada.

Edimar Brígido é pesquisador, professor universitário e doutorando em Filosofia pela PUCPR.
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