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Felipe Lima

Há um ano morando na Flórida, passei o mês de abril quase todo no meu “querido” Rio de Janeiro, com um pequeno intervalo de um dia em Curitiba. O choque quando se sai da civilização e se entra na “selva” carioca fica cada vez maior com o tempo.

Estava na “Cidade Maravilhosa” quando um trecho de uma ciclovia inaugurada ao custo de R$ 45 milhões há apenas três meses desabou, matando duas pessoas. Não sabiam que o mar tem ondas revoltas? Tragédias também acontecem nos Estados Unidos. Mas há algumas diferenças importantes.

Em primeiro lugar, não acontecem na mesma frequência. Em segundo lugar, quando acontecem, raramente os responsáveis ficam impunes. Por fim, a reação geral não é de naturalidade, como se a coisa mais normal do mundo tivesse acontecido. É justamente esse ponto que mais chama a atenção no Brasil.

Poucos dias depois da desgraça, o prefeito Eduardo Paes já afirmava que a ciclovia seria reconstruída antes da Olimpíada. Por que esse prazo tão corrido? A ciclovia é para os cariocas ou “para inglês ver”? Se a causa das mortes foi provavelmente a realização da obra a toque de caixa, não seria irresponsável repetir o erro? Não é descaso demais?

Em termos gerais, suportamos o inadmissível

As respostas parecem óbvias para quem vive em país desenvolvido. Mas nem sequer passam pela cabeça de muitos brasileiros, acostumados com essa negligência das autoridades. É assim que sempre foi e sempre será, pensam muitos. Não dá para exigir nada muito diferente. Somos um país de Terceiro Mundo e ponto. Não consigo aceitar esse prognóstico.

Acredito no potencial do Brasil. Vejo muito talento espalhado por aí, muitas pessoas querendo fazer as coisas direito. Encontram, porém, muitos obstáculos no caminho. A começar por essa mentalidade fatalista e a cultura da malandragem. Há tanto tempo dando com os burros n’água, os brasileiros decentes cansaram. Alguns desistiram. E isso é muito preocupante.

De tantas coisas que precisam mudar, eis uma das mais importantes: essa tolerância com o inaceitável, o que o cineasta José Padilha, morando na Califórnia, chamou de “perda de sensibilidade para o absurdo”. Hannah Arendt falava da “banalidade do mal” para se referir ao nazismo. Temos de falar dessa “banalização do absurdo”. Não podemos engolir como normal o escárnio, o descaso escancarado.

Uso um caso extremo, mas poderia falar de inúmeras coisas do cotidiano dos brasileiros. A qualidade das obras públicas, a pichação que enfeia as cidades, os serviços estatais que não funcionam, o trânsito caótico por falta de planejamento, a impunidade etc. Quando foi que passamos a encarar classe média-alta com carro blindado como a coisa mais natural do mundo?

Ainda vejo muita gente indignada, sem dúvida. Foi essa revolta que levou milhões às ruas. Mas é inegável que, em termos gerais, suportamos o inadmissível. Temos as belas praias, o clima tropical, esse jeito mais “esperto” de ser. Levamos a vida ao ritmo de samba sorrindo, apesar dos pesares. Temos vocação para cigarra, não para formiga. Mas a que custo?

O Brasil viu, atônito, um ator em seu papel mais canastrão no programa do Faustão fazendo propaganda escancarada de um governo indefensável, e ainda por cima bancando a vítima após ter cuspido no rosto de uma mulher e se gabado disso nas redes sociais. É um novo cuspe no rosto de todos nós, mas fica por isso mesmo. O petista cuspiu na mulher... porque ela é machista. Colou?

Não dá para aceitar calado tanto absurdo. É preciso reagir, se indignar, sempre. É o que faz a diferença.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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