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Nada faltou no show da Câmara que, em duas votações sincronizadas, em clima festivo de exuberante euforia, desmoralizou o Conselho de Ética e, na cadência coerente, carimbou o conchavo superpartidário ao confirmar o festival de exemplar falta de decoro da absolvição dos envolvidos nos sepultados escândalos do mensalão e do caixa 2.

A turma do baixo clero, sumida e encorujada desde o infortúnio do seu grande líder, o renunciante ex-deputado Severino Cavalcanti, inesquecível presidente da Casa em curto período, exultava com a volta por cima em desforra completa: a sólida e compacta maioria cimentada pelo acordão penitenciou-se dos fricotes éticos e aderiu aos seus métodos, usos, costumes e conceitos do mais descarado realismo.

Dispensa-se o esforço de interpretação. O espetáculo foi público, no plenário iluminado na Câmara dos Deputados, com comparecimento maciço e na atmosfera temerosa de um furo que estragasse o conluio tecido em semanas de cochichos. Da sopa de siglas partidárias, o PT, o PFL, o PSDB e outros partidos da base aliada ou do acampamento da oposição, garantiram os 283 votos à rejeição do pedido de cassação do deputado Roberto Brant (PFL-MG) contra 156 que tentaram salvar a credibilidade da Casa e votaram a favor do relatório do deputado Nélson Trad (PMDB-MS), relator do Conselho de Ética, que concluía pela punição.

O deputado mineiro, até então com exemplar biografia, estimado pelos colegas, escorregou nas facilidades de época de campanha e caiu na rede ao receber e não declarar a doação de R$ 102 mil da Usiminas, repassados pela empresa SMP&B, em 2004.

Para não desperdiçar o embalo de noite tão auspiciosa, o diligente presidente, deputado Aldo Rebelo, mesmo com o plenário com claros da debandada, colocou em votação o pedido de cassação pelo Conselho de Ética do agitado deputado Professor Luizinho (PT-SP), acusado de embolsar R$ 20 da caixa milionária do valerioduto para despesas miúdas da campanha.

Até a véspera, favorito nas apostas para o sacrifício para equilibrar a balança da credibilidade do Congresso em ano eleitoral, o deputado petista safou-se na crista da onda do acordo: R$ 20 mil é uma mixaria que entra e sai do bolso sem deixar vestígio. Para um caso menor, o placar encolheu: 253 não à cassação e 183 no sim da contramão.

Não foram os primeiros da lista dos perdoados. Em decisões isoladas, o condescendente plenário absolveu, em novembro do ano passado, o deputado Sandro Mabel (PL-GO) e, em dezembro, o deputado Romeu Queiroz (PTB-MG).

Antecedentes esquecidos. Com a campanha eleitoral batendo à porta, esperava-se que a sensibilidade dos candidatos a garantir por mais quatro anos um dos melhores empregos do mundo aconselhasse cuidados especiais com a indignada frustração do eleitor com a instituição recordista dos índices de rejeição popular.

Prevaleceu o corporativismo. É irremediável a desmoralização das CPIs dos Bingos e dos Correios que, no único protesto coerente, devem dar por concluídos os trabalhos e lavar as mãos com bucha e sabão grosso.

Arrombada a cerca, escancarada a porteira, o berro do vale-tudo espanta os escrúpulos dos nichos de compostura. Cassar ou não cassar os nove deputados na fila do Conselho de Ética não vai mudar nada.

Não resta muita coisa no estoque da esperança. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) prometida para este mês, que deve manter a verticalização das coligações para as eleições deste ano, é das últimas possibilidades da manutenção da coerência partidária do voto no esforço para o fortalecimento dos partidos em decomposição.

Pois, de agora até o voto em 1.° de outubro, a reforma política profunda e corajosa passa à prioridade absoluta dos debates, especialmente na massificação da campanha no horário de propaganda eleitoral.

Sem a faxina para valer, que não poupe do cacho podre das mordomias parlamentares, o eleitor não terá estímulo para perder o domingo na fila para votar e manter isso que está aí.

As hesitações tucanas em lançar o candidato da oposição engessam a pré-campanha e deixam o espaço livre para a intensa movimentação do presidente-candidato, em ascensão nas pesquisas. Enquanto o nó não desata, continua o jogo de peteca entre Lula e a oposição de uma constrangedora impostura. Lula finge que ainda não é candidato, enquanto corre o país fazendo comícios e inaugurando qualquer coisa. Acusado, alega que o antecessor Fernando Henrique Cardoso, patrono da oposição, fez o mesmo. A continuar a toada, caímos na gangorra sem fim. E ambos têm razão e a mesma cara de pau.

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