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Uma maneira de se definir o presente é como um instante fugaz entre o passado extinguido e o futuro incerto. O presente se anularia instantaneamente para dar vez a outro presente, também fugidio. Outra maneira é definir o presente como a condensação do passado conhecido com o futuro possível. O presente conteria, portanto, tudo o que houve e todo o porvir. O primeiro, um presente de leveza absoluta, seria etéreo à inexistência; o segundo, um presente de densidade avassaladora contendo em si passado e futuro, seria pesado ao imobilismo.

Penso que vivemos essa sensação de dois presentes ao mesmo tempo. Por vezes sentimos que nada mais importa além do momento em que vivemos, e, por outras, que o presente deve respeito absoluto a tudo o que nos antecedeu e a tudo o que nos sucederá. E penso que a cidade reflete esse jogo temporal: usamo-la como se nada mais importasse; ou tornamos fragmentos da cidade intocáveis em respeito ao que um dia ela foi, mesmo que ninguém mais os use hoje; ou propomos grandes reformas urbanas em benefício de gerações futuras, mesmo que nos causem restrições hoje.

Apesar de toda a aparente complexidade de se pensar a cidade do futuro, uma coisa é certa: o futuro que imaginamos está carregado demais de nosso presente para que de fato se realize. O nosso futuro nunca chegará, portanto. E as grandes transformações (afinal, o futuro sempre está carregado dessas grandes transformações) são imprevisíveis. Verdade que há uma regra básica para se pensar o futuro: quanto mais distante, mais fácil. Em 1988 já se imaginava um futuro interconectado com computadores no século 21, mas não que um muro dividindo Berlim (e o mundo) em dois campos geopolíticos fosse ser derrubado apenas um ano depois.

E o que tem nossa cidade a ver com isto? É que a cidade do futuro está aqui hoje, germinando em suas contradições. Claro, não dá para responder qual é a cidade do futuro; mas dá para afirmar sem errar que não há futuro sem cidade. E grande. E populosa. Condomínios-parque afastados ou subúrbios com baixa densidade populacional são altamente dependentes de cidades densas e conturbadas. As grandes inovações da vida tecnológica, científica, cultural, política, social e até sentimental só ocorrem nas cidades. Os principais centros irradiadores de mudanças no mundo estão já há alguns séculos em grandes cidades; e, quando um novo centro irradiador de mudanças surge, ele se tornará uma grande cidade.

Uma das maiores forças da cidade é abrigar contradições, questionamentos e insatisfações. A cidade é inconformada; e, em primeiro lugar, inconformada consigo mesma. E é o inconformismo que gera transformações; e sem transformações, não há futuro.

Fábio Duarte é professor de gestão urbana da PUCPR.

Este artigo faz parte de rodadas quinzenais em conjunto com os artigos Clovis Ultramari, Irã Dudeque e Salvador Gnoato. Tema desta rodada: o futuro das cidades

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