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Trânsito caótico, transporte público ineficiente, falta de infraestrutura para pedestres e ciclistas. Esses são problemas comuns em todas as grandes e médias cidades. Mesmo em cidades que muitas vezes se mostram inovadoras, por vezes parece que não saímos do lugar, que nada do que é proposto parece funcionar. Por que isso acontece? É que quando se chega a um sistema que funciona, todas as novas ideias costumam girar em torno de um eixo central. Criamos um sistema que envolve um conjunto de tecnologias, de posturas sociais, de valores culturais e econômicos que permitem que esse sistema funcione. A partir daí, na maioria das vezes, as soluções propostas são variações do que é aceito dentro desse conjunto de valores. Dificilmente ideias realmente novas sairão dessa lógica circular. Um exemplo clássico disso são os congestionamentos. É comum vermos cidades tentando resolver o problema de congestionamentos criando mais vias, alargando avenidas, reduzindo calçadas para dar mais espaço para carros. E o resultado, também comum, é que essas medidas atraem mais carros, que geram mais congestionamentos.

Recentemente a escola de design Parsons, em Nova York, resolveu enfrentar o problema de maneira diferente e lançou um desafio para que seus alunos de mestrado propusessem soluções para a mobilidade urbana de forma que não apenas melhorassem os sistemas existentes. O mote era desprender-se do que é conhecido e propor coisas que em um primeiro momento possam parecer absurdas. Mesmo que nada seja possível, só o exercício de questionar os sistemas com os quais estamos acostumados, mesmo que não funcionem mais como gostaríamos, já serve para desestabilizar hábitos arraigados.

E se a cidade funcionasse em diversos turnos?

Seis ideias foram divulgadas. Elas variam de controlar em tempo real quais regiões da cidade ou vias podem aceitar mais carros – através de aplicativos que propõem caminhos alternativos – a fazer com que a mobilidade seja um jogo: usando bicicletas ou caminhando, você ganha pontos que podem ser trocados por passagens de ônibus ou desconto em impostos, por exemplo. Para ficarmos em uma simples, e factível, proposta: e se a cidade funcionasse em diversos turnos? Executivos de empresas teriam horários de entrada e saída de trabalho diferentes de estudantes primários, comerciários teriam horários diferentes de estudantes universitários, e assim sucessivamente, fazendo com que os horários de maior tráfego não coincidissem. De fato, não faz sentido alunos universitários e de ensino fundamental terem horários escolares similares. Os primeiros são independentes; os segundos dependem de que alguém os leve para as escolas. Se todos saem ao mesmo tempo, as ruas e ônibus ficam congestionados. O mesmo vale para parte do comércio. Lojas às segundas pela manhã estão vazias – porque os possíveis consumidores estão trabalhando. E fecham sábado depois do meio-dia, quando os possíveis consumidores estão livres. São ideias tão simples, mas ainda tão incômodas para nossos hábitos arraigados, que perdemos boas oportunidades de melhorar nossas cidades.

O que este desafio da Parsons mostra é que há ideias à solta pela cidade. E que não será necessariamente de dentro das agências especializadas em transportes ou planejamento urbano que elas sairão – ou que pelo menos poderíamos aceitar isto, que não são só aqueles que trabalham nessas agências que têm soluções para a mobilidade urbana. E a explicação é simples: a função básica dessas agências é fazer o sistema funcionar, o sistema que conhecem – e não questioná-lo. Daí vem a riqueza desse tipo de iniciativa da Parsons: pensar fora dos hábitos.

Curitiba poderia fazer isso? Claro! Crie-se um “prêmio Curitiba de inovação urbana”, selecionando um tema por ano, fazendo um júri que envolva especialistas em cidades, mas também artistas e filósofos, cientistas e feirantes, e solte-se na praça. Pode ser que nenhuma ideia seja factível. Mas arejaria a forma como vemos nossa cidade.

Fabio Duarte é professor de Gestão Urbana da PUCPR e atual colaborador do Senseable City Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
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