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Há dois modos de prever o futuro: um não científico, rico em criatividade, porém pobre em acertos; e outro que se serve de indicadores. Uma vez já nos disseram que tudo acabaria nos anos 1000. Falharam religiosos e esotéricos; eles não usaram indicadores científicos. Mas indicadores dependem de quem os analisa: derrotistas ou otimistas. O derrotismo prevê que em cidades como Belo Horizonte, por exemplo, o morador de um bairro não distante faria o percurso ao Centro em quatro horas na ida e outras tantas no seu retorno, e trabalharia aos domingos, sem férias, para compensar atrasos. Em São Paulo, do mesmo modo que em suas similares grandes cidades do mundo, crianças não mais estudarão por jamais poderem chegar à escola. Ricos entrarão nos grandíssimos shopping centers protegidos por seguranças armados e não dissimulados; pobres, por sobrevivência nos extremos, teriam a permissão de roubar cotidianamente. O Palácio Iguaçu e a prefeitura de Curitiba, ainda guardando algum poder nos pedaços de um território que uma vez se chamou de Paraná e de Curitiba, estarão cercados. Por segurança, na área, nem mais os funcionários podem aí estacionar. Nem precisam: alguns já moram nos corredores de seus locais de trabalho. No Rio de Janeiro, a poluição se generaliza, as praias são interditadas e as areias, dominadas por mercados de crack. Em Manaus, pesquisa revelará que 80% dos jovens, quase todos analfabetos, nunca ouviram falar em Floresta Amazônica.

Mesmo nos apoiando em indicadores, podemos também ser otimistas. Nunca tivemos uma cobertura de esgoto tão abrangente como a dos dias de hoje; nunca a população urbana deste país esteve tão próxima da universalidade da oferta de água tratada e da energia elétrica; jamais houve tanta oferta de escola (algumas fecham por reduzido número de matrículas); novos modais de transporte são anunciados; os eventos culturais gratuitos quase nos cansam pelo excesso; há academias ao ar livre que os vândalos respeitam e pessoas utilizam. Não pode mesmo haver mundo mais admirável que este que vivemos! Exagero? Um pouco, apenas!

Entretanto, teremos mesmo um futuro, ou tudo continuará, por muito tempo ainda, igual, com poucas mudanças? Não conseguimos imaginar um mundo sem cidades, elas continuarão existindo; os ineditismos da ciência contemporânea ainda não fizeram nossas cidades muito diferentes das do século 19; nenhuma nova versão do iPad mudou verdadeiramente nosso percurso ao trabalho; marcianos e Hollywood cansaram de dominar nossas cidades.

Ora, se esoterismo não nos atrai e se os indicadores dependem de nosso otimismo ou pessimismo, conclui-se que não é mesmo possível prever o futuro das cidades. Talvez esse futuro nem exista. A previsão mais certeira é, para o bem ou para o mal, que nossas cidades continuem a ser mais ou menos o que hoje o são. Nunca se avançou tanto na tecnologia como nos últimos 30 anos; outrossim, nossas cidades ainda dependem de lotes, de canalizações, de obras diversas, de casas para morar feitas por tijolos. As cidades não têm mesmo futuro: ora parecerão ficar apenas piores, ora parecerão muito melhores, mas, na média, parecidas com aquelas que temos hoje, melhorando vagarosamente. Mesmo assim, é possível dizer, que bom!, Que futuro brilhante nos aguarda!

Clovis Ultramari, arquiteto, é professor da PUCPR.

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Este texto faz parte de rodadas quinzenais em conjunto com os arquitetos Fabio Duarte, Irã Dudeque e Salvador Gnoato. Tema desta rodada: O futuro das cidades.

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