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Em 21 de abril de 1792, Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, após ter sido acusado, processado, achado culpado e condenado, é enforcado e esquartejado no largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro. A sua cabeça foi exibida em um poste em Vila Rica e as outras partes do corpo foram espalhadas pelos locais onde haveria aliados do suposto insurgente. Não se tratava apenas de matar o rebelado. O espetáculo da condenação buscava produzir uma demonstração de força, sensação de medo, identificação com o carrasco e o poderoso; em fim, procuravam-se efeitos inibidores sobre todos aqueles que tentassem se levantar contra o poder de Portugal. Não era apenas um ato de crueldade de um governante e sim um modo de fazer política por meio da exposição escancarada da força na imagem do exemplo do corpo estraçalhado. É claro que havia mais de um conspirador e o poder central sabia perfeitamente disso, mas era preciso colocar os holofotes em um personagem e montar uma determinada cena para poder redirecionar os rumos da sociedade.

Hoje, 114 anos mais tarde, o espetáculo da política ganhou maiores e melhores ferramentas técnicas e tomou o lugar da política transformando-a ela mesma em espetáculo. As cenas muitas vezes superam Molière e Shakespeare. Marqueteiros choram diante das câmaras de tevê e deputados lembram da mãe em um depoimento político. Alguns roteiros parecem ter sido escritos por Mario Puzzo, autor de "O Poderoso Chefão", outros parecem um plágio da série de tevê Maxwell Smart, O agente 86. Assim, passamos das CPIs às denúncias sobre dossiês discutindo as performances e esvaziando qualquer possibilidade de reflexão. A questão passa a ser é o impacto que a notícia ou a imagem causam na opinião pública e não a veracidade do fato ou o respeito ao Estado de Direito. O problema não é da ordem da política, é da ordem da encenação. Alguém se indigna e bate na mesa, enquanto o outro assume o papel de vítima, na semana seguinte a função se inverte, é uma questão de interpretação. Quando Oscar Wilde, no início do século 20, dizia que a vida imitava a arte eu acho que ele pensava na política no raiar deste século 21.

Tem-se a sensação de que alguns políticos, alguns membros do Poder Judiciário e até alguns policiais estão mais preocupados pelo perfil da fotografia que pelo trabalho que deveriam realizar. Os jornalistas se transformam em produtores, os cidadãos em espectadores e os políticos em atores. Maquiam o rosto, ensaiam sorrisos e caras feias, modulam diferentes tons de voz e assim chegam às eleições. O que se trata é de dar um golpe de efeito, fazer um show, produzir um escândalo que redirecione a opinião pública em seu favor. Por isso não é estranho que Clodovil Hernandes seja um dos candidatos mais votados de São Paulo, ele tem experiência. Maquiagem e holofotes é com ele mesmo. Clodovil é 10, nota 10 no quesito adereços. Quando perguntaram como iria para Brasília, ele respondeu: "Chiquérrimo como sempre fui." A resposta me pareceu totalmente coerente com a sua campanha. Ele não defrauda seus eleitores. Pelo menos foi mais decente do que seu colega de um outro partido do Centro-Oeste, que tentou vender o espaço do horário eleitoral e foi flagrado por um jornalista da Rede Globo. Mas a segunda pergunta foi mais aguda, o jornalista tratava de saber qual seria a sua política na Câmara e ele respondeu: "Não sei, eu não sei se este país tem política." Clodovil estava sendo irônico, como irônico é o fato dele ter sido eleito, mas também estava sendo lacônico. Clodovil tem razão, enquanto ficarmos esperando a próxima denúncia e o seguinte escândalo; enquanto jornalistas atuarem como cabos eleitorais e os cidadãos como elementos do "curral" eleitoral, a política não tem a menor oportunidade e o show vai continuar.

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