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Pelo fato de os crimes cometidos por Kadafi violarem gravemente a dignidade do ser humano, e sendo repu­­­tados como repudiáveis, a responsabilidade do ditador ultrapassa as fronteiras de seu Estado

Recentemente, o mundo árabe foi surpreendido por uma onda de protestos, o qual teve inicio na Tunísia, estendendo-se ao Egito e, mais recentemente, à Líbia. Os três países muçulmanos estão localizados no norte do continente africano e guardam muitas semelhanças entre si, além do fato de possuírem governos arbitrários. Outras manifestações puderam ser observadas no Marrocos, Argélia, Iêmen, Bahrein e Jordânia.

No poder há 42 anos, o ditador Kadafi chegou à Presidência da Líbia após um golpe de Estado. A revolta que tomou conta do país nos últimos dias foi, até o momento, um dos piores episódios de ataque contra civis. Na iminência de eclodir uma guerra civil, mais de 140 mil pessoas atravessam as fronteiras em meio à crise humanitária, passando a ser caracterizados como refugiados.

De acordo com a Convenção sobre Refugiados de 1951, "refugiado é a pessoa que, temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode, ou em virtude desse temor, valer-se da proteção desse país". A proteção dos refugiados é a principal missão do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e faz parte das regras essenciais que regem o Direito Internacional Humanitário, como por exemplo, distinguir os alvos civis dos militares e respeitar os civis e seus bens.

Tanto os Direitos Humanos quanto o Direito Humanitário buscam proteger o indivíduo de ações arbitrárias e abusos. Os direitos humanos são inerentes ao ser humano e visam proteger o indivíduo, aplicando-se as regras de direito humanitário apenas em situações de conflitos armados, visando basicamente distinguir os combatentes da população civil. Os civis devem receber proteção total, desde que não tenham uma participação direta ou que tenham deixado de participar das hostilidades.

Diante das violações graves e sistemáticas aos direitos humanos dos civis líbios, a Assembleia Geral da ONU decidiu, por unanimidade, suspender a Líbia como membro do Conselho de Direitos Humanos. O Conselho já havia condenado veementemente os ataques indiscriminados aos civis, assim como as execuções extra-judiciais, as detenções arbitrárias e as práticas de tortura contra os opositores do regime ditatorial.

A decisão surpreende pelo fato de esta ser a primeira vez em que tal medida é adotada. Para que uma resolução seja aprovada, requer-se a anuência de pelo menos dois terços de seus membros. Dessa forma, consolida-se finalmente um precedente para que outros países que violam reiteradamente os direitos humanos e as regras de direito humanitário também sofram sanções. Um dos casos mais controversos na questão da não intervenção da ONU e consequentemente, pela falta de sanções rigorosas, são as graves e sistemáticas violações dos direitos humanos praticadas pelas autoridades chinesas contra o Tibet.

Ainda, o presidente líbio será levado a julgamento em uma Corte penal de jurisdição complementar internacional, uma vez que as violações de direitos humanos contra civis são equiparadas aos crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Kadafi pode ser julgado no Tribunal Penal Internacional (TPI) (em Haia, na Holanda), uma vez que o referido Tribunal permanente é responsável por julgar os indivíduos, e não os Estados, por recomendação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ainda que a Líbia não seja signatária do Tratado de Roma (instrumento que instituiu o TPI).

Pelo fato de os crimes cometidos violarem gravemente a dignidade do ser humano, e sendo reputados como repudiáveis, a responsabilidade de Kadafi pelos mesmos ultrapassa as fronteiras de seu Estado, alçando à condição de responsabilidade individual internacional, evitando, dessa forma, a impunibilidade. O respeito ao Direito Internacional Humanitário consiste num grande desafio, além de ser uma responsabilidade mundial.

Chrystiane de Castro Benatto Paul, advogada, é especialista em Direitos Humanos. Palestrante dos cursos de capacitação em Direitos Humanos na Universidade Tuiuti do Paraná. Atuou como assessora jurídica na Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania.

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