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A quinta viagem do presidente Lula à África emplacou, no primeiro dia, pelo desvio de uma indiscrição intencional, uma das grandes notícias da campanha do candidato à reeleição. Coube ao ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, o privilégio da comunicação da boa nova aos repórteres: há 40 dias Lula não bebe um mísero gole da cachacinha dos seus confessados hábitos de muitos anos. O porta-voz da Presidência, André Singer, quebrou o mutismo para enriquecer a abstêmia do presidente com pormenores de esfuziante otimismo: a dieta de proteínas, recomendada pelos médicos, enxugou a elegância do perfil presidencial de 12 quilos e seus reflexos no humor foram confirmados por todos os membros da garbosa comitiva. A forma física de atleta pronto a voltar ao gramado da Granja do Torto é o assunto recorrente das suas conversas.

Lula está no ponto para acelerar a campanha na maratona de viagens domésticas e internacionais dos próximos meses, antes da vigência das restrições legais que o igualam aos outros candidatos. Falta corrigir o resto. O exagero caricato com que insiste em negar a sua identificação de candidato em campanha, em tempo integral e com a larga utilização das vantagens e facilidades da máquina oficial está levando o barco da mentira para as águas turvas da farsa.

Claro que dele não se podia esperar o exagero oposto de infringir a lei e sair por aí afora a pedir votos nas viagens de todos os dias para inaugurar qualquer coisa ou na orgia da distribuição de milhões para reconquistar os votos que escaparam pelas malhas da decepção. A prudência do meio-termo aconselharia a conduta adequada, na linha de compostura: basta controlar a língua, engolir a ambição e simplesmente não tocar em reeleição e em candidatura quando se apresenta no exercício do cargo, carregado no colo dos privilégios inerentes ao mandato. O açodamento é perfeitamente dispensável e mesmo inútil. Pois Lula é, sempre foi, candidato a bisar o mandato. Tão candidato como todos os eleitos para as chefias do Executivo, de prefeitos e governadores ao teto presidencial. Salvo as exceções de casos pessoais, nenhum dos donos do controle da máquina poderosa abre mão da penca de facilidades que credenciam o candidato ao segundo mandato como favorito, com vantagem sobre o oposicionista largado à chuva que ensopa e ao sereno que enferruja. Mesmo no caso de governos calamitosos – como os três anos de Lula, maculado pela corrupção recordista dos escândalos do caixa 2 e do mensalão, pela apatia administrativa do paquiderme ministerial, pelo seu despreparo e desinteresse pela rotina do exercício do poder – basta o susto e o medo do fantasma da derrota para a reviravolta, com a mobilização do esquema a todo vapor, às favas os escrúpulos para o alívio da virada. A todas as benesses legítimas que adornam a ambicionada prenda, Lula acrescenta a singular condição de candidato único do PT e do bloco governista. Nas quatro eleições que disputou, das três derrotas à glória dos 53 milhões de votos, afirmou a sua liderança e comprovou que é maior do que o partido da desbotada estrela vermelha. Daí o descaso com que aceitou as muitas defecções durante a caminhada, inclusive a mais recente, quando perdeu quadros importantes e o crachá de líder da esquerda, que migraram com a turma que fundou o PSOL e lançou a candidatura da senadora Heloísa Helena à sua sucessão. Na recauchutagem de centrista, de neoliberal na economia, reverente às recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao império do mercado, Lula recobrou o ânimo, sacudiu a cinza e caiu na folia da campanha de candidato com máscara transparente.

Candidato forte, o que não quer dizer que imbatível. Salvo o imprevisto de nova denúncia comprovada ou de uma bomba que estoure nas CPIs remanescentes dos Bingos e a dos Correios, favorito para a largada. Os paparicos da tradicional gentileza da alma africana ajudarão a espantar os dissabores que tanto o amarguraram. E, na volta, sóbrio e esbelto como um monge, a esbanjar bom humor e confiança, com garra para rever as táticas de campanha, para a poda dos excessos do ridículo e da pantomima dos truques e gaiatices. Mais quatro meses a fingir que não é candidato em campanha com inaugurações, comícios, o alucinado lançamento de projetos e planos, a distribuição de aumentos, a promessa de reajustes aos esquecidos barnabés, podem saturar o distinto e desatento público. O PT chapa-branca desinfetado com a expulsão dos inconformados com a cambalhota neoliberal e entregue à fidelidade do presidente, deputado Ricardo Berzoini, merecia um puxão de orelhas para não insistir em tolices como a afirmação que é do partido a decisão de processar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pela dura frase, repetida em artigo e na TV de que "a ética do PT é roubar". E jura que Lula não foi ouvido nem consultado.

Se fosse verdade, seria uma leviandade. Como evidentemente não é, trata-se de mais uma lorota.

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