• Carregando...

A CBF anunciou recentemente que pretende reformar a Lei Pelé para permitir a formação profissional de atletas a partir dos 12 anos, na suposição de que o Brasil seria o único país a proibir a hiperseleção, hipercompetitividade e comercialização de atletas antes da idade mínima laboral.

Será que é isso mesmo? A CBF atribui o fiasco do Brasil na Copa do Mundo à existência de normas que protegem os direitos das crianças e adolescentes? Seria cômico se não fosse trágico.

Aqui é importante que fique bem claro: a Constituição Federal não proíbe – ao contrário, assegura – o direito à educação e à prática desportiva, em qualquer idade. Competir também é permitido, em qualquer idade, desde que em ambiente educacional e de participação. Mas está veementemente proibido o exercício de qualquer trabalho a menores de 14 anos, sem qualquer exceção.

A Lei Pelé, que trata das normas gerais do esporte, trata dos requisitos mínimos para que as pessoas com mais de 14 anos possam iniciar um processo de profissionalização por meio de um contrato de formação desportiva. Apenas nessa condição a Lei Pelé possibilita que adolescentes vivam alojados nos clubes, com a contrapartida de os clubes providenciarem acompanhamento escolar, apoio pedagógico e psicológico, convivência comunitária e familiar.

O problema das categorias de base não é a idade mínima de recrutamento, mas a falta de uma política que incentive a formação desportiva com viés simplesmente educacional, ou seja, sem pretensão de comercialização futura dos atletas com menos de 14 anos. Em vez de alterar a lei para desrespeitar os direitos das crianças, a CBF poderia liderar um movimento para instituir um sistema nacional de formação desportiva e um fundo para incentivo à formação. Antes dos 14 anos, deveria ser respeitada a liberdade de prática; durante o período profissionalizante, deveria ser priorizada a formação local, nas cidades de residência dos atletas, preservando a unidade familiar e sua infância.

Mas o sistema que vemos atualmente beneficia poucos, está afundando o futebol brasileiro e provocando o desperdício da vida de crianças sumidas em centros de formação de qualidade duvidosa. Proliferam gestores ambiciosos e despreparados, que correm atrás da sorte sem cuidar de verdade da educação dos jovens.

Independentemente de decisões equivocadas da cúpula do futebol, o Ministério Público do Trabalho vai continuar sua luta por uma infância livre e por uma formação profissional digna. Vai continuar velando pela preservação dos direitos de nossos futuros craques, processando clubes que não mantêm alojamentos adequados, que aceitam crianças com menos de 14 anos vindas de longe para viver enclausuradas, que não propiciam matrícula escolar e acompanhamento frequente do aproveitamento do aluno. A CBF pode se somar a esse ideal, se compartilhar desse mesmo objetivo. Mas para isso é preciso querer fazer as reformas que são mesmo necessárias.

Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, procuradora do Ministério Público do Trabalho, é presidente da Comissão do Atleta da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância).

Dê sua opinião

Você concorda com o autor do artigo? Deixe seu comentário e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]