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A curva da inovação
| Foto: Pixabay

Uma rede social foi lançada na Columbia University, nos Estados Unidos, no início de 2004. Criada por estudantes, foi uma das primeiras redes sociais a usar os nomes reais dos usuários e se espalhou de forma epidêmica naquela universidade. Percebendo o seu potencial, a equipe tirou licença dos estudos para concentrar-se em tempo integral no projeto.

Essa é a história da CampusNetwork, uma rede social lançada poucas semanas antes de o Facebook se tornar um fenômeno em Harvard. A CampusNetwork foi fundada por Adam Goldberg, presidente da Escola de Engenharia, e por Wayne Ting, presidente do Columbia College.

A CampusNetwork era muito mais avançada que o Facebook, tendo várias ferramentas inovadoras. A versão original do Facebook era pouco mais que um diretório virtual, dotado de páginas dedicadas a perfis básicos e com amigos que enviavam “cutucadas”. A CampusNetwork começou com o compartilhamento de fotos e um mural em que os membros podiam comentar os perfis dos amigos e as suas atividades, possibilitando a qualquer pessoa ver o que estava acontecendo em toda a rede.

Depois de lançá-la em 2004, Goldberg e Ting se mudaram para Montreal a fim de trabalhar em período integral na CampusNetwork, enquanto a equipe do Facebook se mudou para o Vale do Silício, com o propósito de fazer o mesmo. Poucos meses depois, a equipe da CampusNetwork embarcou em uma guerra total contra o Facebook, promovendo sua ferramenta em outras instituições de ensino e também fazendo incursões nas 12 melhores universidades americanas, que naquele momento nunca haviam ouvido falar do Facebook.

Ao longo do caminho, os jornais escolares começaram a dedicar artigos à rivalidade. Depois que a CampusNetwork foi introduzida na Universidade de Stanford, a estudante Eva Colen escreveu o seguinte sobre as diferenças entre as duas redes sociais: “o Facebook é bem inferior. Não existe comunidade alguma, é mais como uma seção de classificados. Você pode construir relacionamentos e comunicar suas atividades na CampusNetwork, enquanto o Facebook permite apenas adicionar amigos e seguir pessoas que estão apaixonadas”.

Apesar dos recursos avançados, a CampusNetwork falhou. Fora da Columbia University, Goldberg e Ting não foram capazes de competir seriamente com o Facebook em nenhum outro local. Sentindo-se derrotados, Ting e Goldberg voltaram à universidade. Por que a CampusNetwork não venceu a disputa? Por que os nomes de Adam Goldberg e Wayne Ting não são citados como revolucionários no mundo das redes sociais, se a ferramenta deles oferecia recursos mais avançados desde o início? A experiência de Wayne Ting lhe deu uma perspectiva valiosa sobre como os consumidores acolhem ou rejeitam novas ideias. Olhando para trás, Ting agora percebe que a enorme densidade de recursos contidos na CampusNetwork, que ‒ ele supunha ‒ ultrapassaria facilmente o Facebook, era na verdade um dos principais motivos pelos quais falhou.Segundo Ting, no início dos anos 2000 os usuários ainda empregavam pseudônimos nas redes sociais. A CampusNetwork pediu aos usuários não apenas que deixassem de lado os pseudônimos e usassem seus nomes reais, mas também que compartilhassem fotos e atividades na rede. Diz Ting: “Estávamos pedindo para os usuários dar saltos muito grandes de uma só vez”. Ao Facebook, por outro lado, foram sendo adicionados mais recursos de forma gradual, tornando-se mais confortável para os usuários divulgar suas informações on-line.David Kirkpatrick, jornalista de tecnologia e autor do livro The Facebook Effect, recorda sobre como o Facebook era primitivo no início. “Tratava-se essencialmente de um local virtual para inserir um perfil e conectar-se com outras pessoas.” Ting disse a um entrevistador da BBC: “O que o Facebook fez foi incrivelmente inteligente: conectar usuários com seus amigos, adicionando funcionalidades lentamente, ao longo do tempo, à medida que os usuários passaram a se tornar mais confortáveis”.Em fevereiro de 2011, o Facebook foi caracterizado como o maior servidor de fotos on-line, esperando ter 100 bilhões de fotos até o fim desse ano. Em outubro de 2011, mais de 350 milhões de usuários acessaram o Facebook por meio de celulares, correspondendo a 33% de todo o tráfego dessa rede.

Em essência, sem necessariamente estarem cientes do que estavam fazendo, Mark Zuckerberg e seus amigos Eduardo Saverin, Chris Hughes e Dustin Moskovitz estavam seguindo a “curva da inovação”. A curva da inovação funciona assim: os usuários precisam estar familiarizados com determinada ferramenta antes que novas funcionalidades sejam adicionadas. Algo novo demais assusta as pessoas.

As inovações devem certamente se realizar para que os usuários não percam o interesse pela ferramenta, mas somente depois de estarem familiarizados com o que já lhes foi disponibilizado. A curva da inovação obedece à curva de Gauss, isto é, tem formato de sino: se o usuário sente certa familiaridade com a ferramenta, ele passa a usá-la; porém, quando a curva chega a um pico, este é o momento em que uma nova característica precisa ser adicionada, pois do contrário a preferência do usuário cai.

No livro de David Kirkpatrick, The Facebook Effect, Mark Zuckerberg é citado por dizer que “o truque não é adicionar funcionalidades, mas retirar”. O cofundador da CampusNetwork, Adam Goldberg, concordou: “O Facebook treinou seu público para usar a ferramenta muito devagar, sem ser abrupto ou inesperado”. Nos anos seguintes, o Facebook lançou, bem lentamente, uma série de recursos inovadores.

As métricas de uso do Facebook aumentaram consistentemente, adicionando características que eram familiares o suficiente para os usuários se sentirem confortáveis, mas ao mesmo tempo funcionalidades inovadoras o suficiente para despertar o interesse contínuo e incentivar o envolvimento do usuário.O que teria acontecido se a CampusNetwork tivesse lançado seu aplicativo com menos recursos?

Afinal, eles tinham vantagens: uma equipe inteligente de universitários e uma grande determinação para crescer. É difícil responder a essa pergunta, mas sabe-se que a CampusNetwork não entendeu completamente o que seu público queria, não compreendendo a curva da inovação: a capacidade de equilibrar familiaridade e novidade não é apenas útil para alguém ser bem-sucedido ‒ é essencial!

Marcos de Lacerda Pessoa, engenheiro, Ph.D. pela Universidade de Birmingham (Inglaterra) e pós-doutor em Engenharia pelo MIT, é autor de Sementeira de Inovação, organizador e editor de Pinceladas de Inovação e proprietário do centro de apoio à inovação futuri9.com.

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