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A Política Nacional de Resíduos Sólidos traz à discussão um tema relevante para todos os municípios e em especial para as cidades mais populosas: o lixo. O retrato brasileiro ainda é desalentador sobre o tema. Em 2000, já produzíamos 149 mil toneladas de lixo por dia e 65% eram desejados in natura sem qualquer tratamento, sendo que 60% eram em lixões. Não depositamos o lixo em local adequado, não separamos como deveríamos os resíduos dos rejeitos, não exploramos adequa­­damente a cadeia de valor dos resíduos, enfim, tratamos o tema de forma amadora, ressaltando pontualmente experiências bem sucedidas de reciclagem.

Essas experiências não deveriam ser pontuais, mas generalizadas se tratássemos de forma mais técnica e profissional o tema. Para isso é necessário um arranjo institucional – envolvendo poder público, empresas e sociedade – que queira desenvolver um jogo ganha-ganha, em que os interesses individuais são respeitados, mas os coletivos não são perdidos de vista. Esse arranjo deveria, primeiro, ter claro como explorar a cadeia de valor dos resíduos e as diversas formas de exploração econômica dela. A economia do "lixo" envolve várias análises de custo versus benefícios da cadeia de valor dos resíduos sólidos, como, por exemplo, uso de reciclado ou material virgem; externalidades referentes ao ciclo de resíduos (custo social, impacto ambiental e custo da saúde pública); produção de energia (custo da energia produzida pelo biogás e exploração conjunta no mercado de carbono); tipos de matérias-primas utilizadas (ciclo de vida da matéria-prima e respectivo custo de produção, coleta e disposição); custo logístico (transporte e armazenagem); importação e exportação de resíduos (custo social dos países importadores); políticas regulatórias (impactos diretos e indiretos).

Cada tema desses tem uma forma de análise e um plano de ação diferente, cujos exemplos extrapolariam o tema e o espaço deste artigo. Contudo, desejamos ressaltar que tratar dos resíduos é muito mais amplo do que pensarmos somente na sua disposição e na coleta seletiva. Trata-se inclusive de estratégias empresariais de viabilidade do uso alternativa de reciclados para substituir material virgem, por exemplo, ou de mudar a matriz energética de uma região ou ainda de repensar a estrutura de transporte e armazenagem dos resíduos sólidos.

As alternativas nesta cadeia são muitas e não são novidades em vários países. Nos Estados Unidos, por exemplo, vários municípios e empresas adotam a geração de biogás como alternativa energética. Muitas empresas, inclusive no Brasil, já fazem estudos de substituição de material virgem por reciclado, porém, aqui, com mais cuidado porque depende do fornecimento contínuo desse reciclado, se for adotado. Em países com uma maior organização da cadeia permite-se o uso de reciclados e, portanto, a otimização do uso de recursos, que se torna viável econômica e ambientalmente. Para isso, temos de desmitificar alguns pontos e conhecer mais a cadeia de valor de resíduos. Não podemos partir apenas com a bandeira de reciclar indiscriminadamente porque isso pode gerar problemas de oferta e demanda na cadeia.

Basta conversar com catadores sobre o estímulo para coletaram determinados tipos de resíduos (papel e papelão, ou garrafa PET ou lata de alumínio). Esse estímulo muda conforme o preço pago pelo produto, e esse preço depende da oferta e demanda desses resíduos coletados. Quanto maior a coleta de um resíduo, maior a oferta do mesmo e, permanecendo a mesma demanda, o preço do quilo coletado diminui. A lei básica de mercado da economia está presente na vida dos catadores, e eles respondem deixando de lado aquele produto com menor valor, independentemente da outra ponta (usuário) estar separando o reciclado ou não. Isso é um exemplo de desorganização da cadeia, que se ajusta pelos estímulos recebidos, mas que não otimiza a cadeia como um todo. Para otimizar teríamos que compreender a complexidade da gestão dos resíduos e avaliar algumas questões, como: qual o menor custo logístico para o ciclo? Quanto custaria dispor nas diferentes alternativas estudadas? Seria viável explorar o biogás para este volume e composição de resíduos dispostos? Essas são algumas questões com que o arranjo institucional (poder público, empresas e sociedade envolvida) tem de lidar na cadeia de resíduos e que deveria discutir para transformar um dos principais problemas urbanos em oportunidade para o desenvolvimento local. O Plano Nacional dos Resíduos nos alerta para o tema, mas transformar isso em realidade é uma nova janela de oportunidade para o Brasil que poderá ser explorada se nos organizarmos para isso.

Christian Luiz da Silva, economista, é pós-doutor e professor de Economia e do Doutorado em Tecnologia da UTFPR (Universidade Tecnológica do Paraná)

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