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Segundo o filósofo da ciência Karl Popper, as Ciências Sociais têm como missão identificar as consequências não intencionais de ações humanas planejadas. Assim, muitas ações pensadas para a obtenção de certos objetivos caminham para resultados não esperados, que produzem estruturas e modos de ação que se perpetuam sistematicamente. Um exemplo é a própria democracia representativa: quando tentamos retirar o poder das mãos dos príncipes, produzimos os políticos profissionais, eles próprios árduos lutadores pela manutenção do poder.

Essa concepção serve perfeitamente para avaliar um dos bons argumentos a favor da extinção do voto obrigatório. Há argumentos ruins. Especialmente um, que domina a discussão no Brasil, consiste em desmerecer a qualidade dos eleitores "desinteressados". O defeito seria obrigar pessoas sem vontade a tomar uma decisão eleitoral. Todavia, ignora-se que o interesse por política é ele próprio produto do tipo de contexto socioeconômico e político ao qual os indivíduos estão expostos.

Como qualquer preconceito, o argumento acima difunde o ódio contra os eleitores menos escolarizados, mas ignora evidências básicas. Não existe relação de causa e efeito entre o tipo do voto (se livre ou compulsório) e o nível de democracia e desenvolvimento de um país. Tanto que temos voto obrigatório em países apontados como desenvolvidos, tais como Austrália, Bélgica e partes da Suíça; e também temos voto facultativo em países subdesenvolvidos, como Zâmbia, Tailândia e Colômbia.

Por outro lado, o bom argumento a favor do voto facultativo se refere simplesmente à liberdade de escolher participar da comunidade política durante as eleições. Numa sociedade democrática e livre, nada mais justo que o voto seja um ato de livre arbítrio, sem coerção estatal. Temos um objetivo pleno de conotações positivas: aumentar a liberdade e diminuir a interferência estatal na vida individual.

Entretanto, pesquisas da Ciência Política mostram que o comparecimento eleitoral ostensivo – cujo maior propulsor é a obrigatoriedade do voto – produz maior "sentimento de eficácia política" na população como um todo. Esse sentimento é definido como a sensação individual de interferir nos rumos da comunidade, difundindo entre os cidadãos a noção de responsabilidade sobre o destino de sua sociedade. Embora haja outras formas de participação política possíveis, quanto mais pessoas votam de modo regular, mais se obtém o sentimento de eficácia política, de que cada um pode contribuir para aprimorar as instituições que organizam e a sociedade em que vivem. Assim é que eleitores aprendem a premiar e a punir governos, porque entendem que sua decisão pode definir os passos seguintes de sua comunidade, na qual viverão seus descendentes.

Assim, chegamos a um resultado não intencional nocivo embutido no aumento da liberdade individual: quanto se libera a decisão ao eleitor de comparecer ou não, há a diminuição do contingente de votantes e, consequentemente, menor difusão do sentimento de eficácia política entre a população. Com isso, produziremos indivíduos cínicos para com a sua própria atividade política: "já que eu não votei, não me importa se as instituições funcionam e se o governo é bom". De uma intenção libertadora, pode-se produzir resultados não previstos e perversos. A rotinização da abstenção eleitoral (a recusa de participar) pode sabotar o aprendizado que o ato de votar produz no longo prazo.

Luiz Domingos Costa, professor de Ciência Política do Centro Universitário Uninter, é pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (Nusp) da UFPR.

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