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Parece correta a interpretação de que a eliminação do elenco canarinho, na disputa das quartas-de-finais da Copa do Mundo de futebol, ocorrida na Alemanha, atingiu de forma plena, ainda que transitoriamente, os brios dos mais de 170 milhões de habitantes de um país eternizado como o campeão dos gramados do planeta, mesmo quando de natureza moral, como em 1978, ridicularizado pelos argentinos de Passarela, ou de futebol-show, como aquele exibido em 1982 e destruído pela gloriosa Itália de Paolo Rossi. Aliás, o verdadeiro espetáculo foi protagonizado em 1970, por um conjunto talentoso que teve a humildade de respeitar, do começo ao fim, a todos os seus adversários.

Mas, afinal de contas, em qualquer circunstância, é praticamente consensual o rótulo de favorito ao título, conferido ao Brasil por formadores de opinião tupiniquins ou estrangeiros. O consolo é que, em 2006, restaram Portugal de Felipão, a Itália de nossos avós, os simpáticos anfitriões alemães, e até a França de Zidane, para serem admirados, na etapa decisiva, como grupos de trabalho abnegados e comandados com reconhecido talento.

Cumpre sublinhar que o conservadorismo reinante na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de Ricardo Teixeira – envolvida em atividades e negócios de diminuta transparência –, impregnado nas atitudes de Carlos Alberto Parreira e nas suposições de ligações promíscuas entre patrocinadores e dirigentes, encarregou-se de multiplicar, a cada jogo, as incertezas quanto ao êxito do Brasil no mundial, mesmo no pensamento dos torcedores mais otimistas.

Tal postura pode ser evidenciada por uma espécie de aliança entre o treinador e o atraso e o potencial fracasso, retratada na intransigente manutenção, na equipe principal, de atletas em idade avançada, integrantes de uma legião estrangeira e sem vínculos com a nação que lhes abriu flancos para a ascensão social pela via esportiva, e/ou preocupados com a multiplicação dos ganhos comerciais de seus patrocinadores.

É curioso assinalar a reduzida afinidade com a competência e o traquejo, revelada em um jogo amistoso, quando, o mais famoso jogador brasileiro teria sugerido que as chuteiras fabricadas por seu patrão estariam provocando bolhas nos pés. Acrescente-se a ausência, em 2006, do escudo protetor contra as pressões da imprensa, representado por Zagalo em 1994, o que permitiu a Parreira, na ocasião, o exercício da prazerosa tarefa de administrar o time.

Não menos vexatória foi a verificação das precárias condições físicas de algumas peças do Brasil, depois de uma intervenção técnica do presidente Lula, acerca do fenômeno obesidade, rechaçada de pronto pela parte afetada com insinuações de utilização de bebidas fortes pela autoridade máxima do país. Houve ainda a obsessiva busca de conquista de recordes individuais por alguns atletas em detrimento dos interesses coletivos.

O que importa reter aqui é a inexistência de correlação relevante entre os resultados (positivos ou negativos) auferidos no esporte e os ciclos político e econômico, fruto do amadurecimento da sociedade brasileira. A Copa acabou e a roda não parou de girar. O Brasil permanece ostentando enormes potencialidades, mal-aproveitadas em sua maioria, e amargando vários problemas de natureza macroeconômica, política e institucional.

No entanto, desta feita, os efeitos da Copa ocorreram exclusivamente ex-ante e durante o evento e estiveram materializados na movimentação econômica vinculada à comercialização de bens de consumo, notadamente de aparelhos eletrônicos, camisetas, bonés, faixas, bandeiras, cornetas, bebidas, dentre outros, compensando, em larga medida, as supostas perdas derivadas das interrupções das jornadas de trabalho ocorridas nos turnos dos jogos.

Do ponto de vista comercial, a Copa foi vencida pela Puma AG, fabricante alemã de artigos esportivos, madrinha da Esquadra Azurra e de outros 11 times, devido à exposição de seus produtos a milhões de domicílios de diferentes lugares da Terra, por conta de sua aparição em 36 dos 64 jogos transmitidos pela televisão (56,0%), e perdida pelas emblemáticas Nike Inc. (americana patrocinadora de sete agremiações incluindo Brasil e Portugal) e a corporação alemã Adidas AG, patrocinadora oficial do evento e das seleções da Alemanha e da França e de mais cinco elencos.

A vitoriosa companhia alemã contratou o ícone Rei Pelé, um usuário fiel das chuteiras Puma desde a competição de 1970, como âncora de sua campanha publicitária na mídia televisiva para 2006. Ademais, a Puma leva para a Copa de 2010, a ser realizada na África do Sul, o trunfo de ter apostado no universo de equipes do continente africano participante dos embates na Alemanha.

Em linguagem econômica, é lícito avaliar que a falta de empenho da seleção brasileira em território alemão – sintetizada na atitude do lateral Roberto Carlos, arrumando as meias, depois de ter feito o seu pé de meia, enquanto o atacante francês Henry liquidava a fatura – deve provocar depreciação dos ativos esportivos, traduzida nos descontos de 70% no preço de oferta do livro "Formando Equipes Vencedoras", escrito por um gestor de talentos conhecido por Parreira, e na compressão do valor dos passes dos jogadores e de seus contratos publicitários para a promoção dos mais variados produtos. Sem contar a desvalorização dos materiais esportivos que levam a marca da seleção brasileira.

A lição a ser extraída do episódio Copa 2006 é que, provavelmente, os atletas remanescentes, e os novos integrantes do grupo de elite, disporão de mais tempo para dedicação à sua atividade-fim e menos para a realização de esforços acessórios, atrelados a acertos de contratos, viagens, gravações, atuações como garotos-propaganda, ainda que bastante rentáveis. Mais do que isso, o fiasco brasileiro deve ser encarado como o derradeiro motivo para a redefinição das bases de operação – técnicas, políticas, econômicas e sociais – dos diferentes esportes no país, encaixada em um projeto de nação sedenta por ultrapassar o slogan de "pátria de chuteiras".

Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário.

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