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É interessante reconhecer que é a realização da absorção interna, para consumo e investimento, que impulsiona os lucros das corporações e os dispêndios das famílias

A elevação da taxa Selic de 8,75% a.a. para 9,5% a.a., decidida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), na reunião do dia 28 de abril de 2010, já era esperada pelos meios especializados, na direção da preservação do objetivo de cumprimento do centro da meta de inflação, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 4,5% para o corrente ano.

Diga-se de passagem, que a decisão de subida dos juros teria sido retardada, no encontro realizado por aquele fórum, no dia 17 de março, em função do aguardo dos impactos do fim dos incentivos fiscais para a compra de bens duráveis e da recente subida dos depósitos compulsórios, na compressão dos níveis de demanda, considerados excessivamente aquecidos pelas autoridades monetárias e que estariam pressionando o limite de operação do sistema econômico.

Para reforçar esse diagnóstico, o BC demonstrou que o estoque de crédito passou de 28,1% do PIB em 2005 para mais de 45% no começo de 2010, tendo a disponibilidade de somas para consumo superado os 15% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil. No mesmo lapso de tempo, o número de devedores de cifras superiores a R$ 5 mil subiu de 10 milhões para 23 milhões, o que configuraria riscos de insolvência privada.

Nesse cenário, o elemento animador repousaria no fato de os recursos financeiros para bancar as operações habitacionais corresponderem a apenas 3% do PIB, e estarem centrados nos segmentos de baixa renda, ba­­sea­­dos no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e nas captações das cadernetas de poupança.

Mas a diversificação e o contínuo incremento do crédito de longo prazo para o segmento imobiliário exigirá a viabilização de um mercado secundário de crédito, por meio da transformação de dívidas em produtos securitizados. Tal ação deve ser antecedida por contemporânea regulamentação financeira, capaz de evitar os exageros de alavancagem cometidos pelos bancos e a fragilização e até abandono dos expedientes de análise de crédito, que aconteceram na economia dos EUA.

O país também registrou déficit em transações correntes de -US$ 12,1 bilhões no primeiro trimestre de 2010, contra -US$ 4,9 bilhões no mesmo período de 2009, o pior resultado desde 1947, fortemente afetado pelo desequilíbrio na conta de rendas e serviços, concentrada em lucros, dividendos e juros. Com isso, repete-se o padrão prevalecente desde a segunda metade dos anos 1990, desfocado de movimentos de ampliação e modernização da capacidade produtiva de empresas nacionais.

Lembre-se de que a taxa de investimento, ou a formação bruta de capital fixo, caiu de 18,7% do PIB em 2008, a maior da década de 2000, para 16,7% do PIB em 2009 e, mesmo em estágio de retomada, encontra-se bastante aquém do esforço requerido para amparar taxas de crescimento do PIB superiores a 5% a.a., o que equivaleria a quase 25% do PIB.

A propósito disso, é interessante reconhecer que é a realização da absorção interna, para consumo e investimento, que impulsiona os lucros das corporações e os dispêndios das famílias, oportunizando a geração de haveres para a cobertura financeira do círculo virtuoso, em condições de escassez de poupança externa, que pode ser atrapalhada pela predominância de preços estratégicos, como câmbio, juros, salários, infraestrutura e tributos, desarrumados.

Por tudo isso, depreende-se que a tarefa correta, no caso da administração da formação da demanda agregada, seria a execução de uma espécie de redesenho do perfil de dispêndios do governo, formado pela diminuição das rubricas com pessoal, custeio e juros, o que favoreceria o acréscimo não inflacionário de gastos em investimento e a diminuição dos déficits nas contas externas.

A escolha fácil de abdicação do esforço fiscal e de retorno da saga de aumento dos juros provocará agravamento da restrição externa, ao induzir o ingresso líquido de haveres de curto prazo, a apreciação adicional do câmbio, o declínio da eficiência e competitividade das vendas externas e a ascensão do consumo de bens importados, e a especialização regressiva do tecido industrial.

O relaxamento fiscal pode ser explicado pelas imposições eleitorais, pelo impacto defasado dos benefícios aos funcionários públicos e da previdência social, e pela perseguição da maximização dos desembolsos de recursos dos bancos públicos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, que encarece os juros cobrados pelos bancos comerciais nas linhas de crédito livres.

Isso é particularmente grave para um país que carece de aplicações estruturantes em infraestrutura – magnificadas pela recente expansão imobiliária nos grandes centros –, educação básica e ensino profissionalizante, e é forçado a conviver, de forma perene, com orientações macroeconômicas dirigidas ao alcance de propósitos eminentemente de curto prazo, como câmbio flutuante e metas de inflação.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é coordenador do curso de Ciências Econômicas da FAE Centro Universitário.

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