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Nas últimas semanas, jornais de todo o país repercutiram o linchamento de Fabiane Maria de Jesus, ocorrido em Morrinhos, no Guarujá (SP). O caso causou grande consternação pública a partir da constatação de que a dona de casa foi vítima de um erro.

O erro estarrecedor que despertou a atenção para o episódio não foi o fato de a vítima ter sido perseguida por uma turba de centenas de vizinhos que, enfurecidos, se apossaram de seu corpo e, sem lhe dar chance de defesa, amarraram-na, arrastaram-na e espancaram-na, provocando-lhe sofrimento atroz. O erro também não foi a constatação de que as vozes que tentaram impedir esta ação e proteger aquela vítima foram fracas e quase inaudíveis, diante da multidão que incitava a violência aos gritos de "vai morrer, vai morrer!". O erro tampouco foi relacionado à exposição pública daquelas cenas de crueldade, testemunhadas pelos membros da comunidade, registradas em vídeos (captados por pessoas que julgaram o acontecimento digno do registro para a posteridade), compartilhadas em redes sociais e divulgadas pelos grandes veículos de comunicação.

Após a morte, ficou comprovado que Fabiane não possuía qualquer ligação com o crime que lhe havia sido imputado e ainda que o próprio crime não passava de um boato. Ela foi linchada por engano. Foi esse o desacerto que provocou lamentos e despertou o interesse midiático.

Populares protestaram "mataram uma pessoa inocente", jornalistas ressaltaram "e ainda por cima, ela era inocente", o governador do estado de São Paulo declarou considerar inadmissível "um ato de barbaridade cometido contra uma pessoa inocente que não tinha nada a ver com o episódio". Por fim, quando preso, um dos linchadores de Fabiane se justificou: "Estou arrependido, não sabia que ela era inocente" e se desculpou pela participação na morte de uma mãe de família.

Ao que parece, na avaliação de uma importante parcela da sociedade, a injustiça neste caso não reside no linchamento em si, mas no fato de terem linchado uma pessoa inocente. Nesse sentido, a questão que se coloca é: e se ela fosse culpada? Os lamentos seriam os mesmos? O choque e a consternação tomariam conta da opinião pública?

A resposta está na repercussão provocada pelos outros tantos episódios de linchamentos que têm sido noticiados nos últimos meses, cuja violência é tão brutal quanto a utilizada em Morrinhos, mas com a diferença de que os linchados são apontados como criminosos. Nesses episódios, os poucos lamentos e algumas declarações públicas de apoio aos vingadores, demonstram a baixa solidariedade que há com relação ao acusado, que é completamente desumanizado.

Por trás dessas ações, subjaz o danoso raciocínio de que suspeito é culpado, culpado é bandido e bandido bom, é bandido morto. Ora, a gravidade de um linchamento independe do status de culpa ou inocência do acusado na medida em que este tipo de ação atinge o Estado Democrático de Direito em seu princípio mais elementar: todos, sem distinção, estão submetidos e devem ser protegidos pela lei.

O erro do linchamento reside na ação de vingança desmedida que ocorre à margem da lei, do direito de defesa e do devido processo penal. A subversão da justiça é nociva, pois coloca a espada (força bruta) acima da balança (ponderação), fazendo prevalecer injustiças de toda sorte.

Ariadne Natal é socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.

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