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Artigo

A falência do modelo punitivo

Não é possível sustentar a política de segurança pública com um sistema prisional do porte do brasileiro

Os eventos ocorridos no interior de penitenciárias brasileiras totalizam 102 mortes nos primeiros dias de 2017. Houve manifestações de apoio, motivo pelo que, respeitando todas as opiniões, entende-se que é necessária uma reflexão mais complexa.

A política criminal se socorre da pena de prisão como retribuição sancionatória do delito; referida política se mostra fracassada. Mesmo com o esforço legislativo para reduzir a população carcerária insculpido, por exemplo, no estabelecimento de medidas cautelares alternativas à prisão e nas audiências de custódia, o crescimento da população prisional não desacelerou.

Na mesma velocidade em que a população carcerária aumenta, os índices de criminalidade a acompanham: atualmente o Brasil concentra 13% dos homicídios do mundo, mesmo com um aumento da população carcerária médio de aproximadamente 7% ao ano nos últimos 25 anos.

Referida disruptura chancela que não é possível sustentar a política de segurança pública com um sistema prisional do porte do brasileiro. Isso porque o aumento da população carcerária deve ser acompanhado pelo acréscimo orçamentário a esta área, o que é impossível na atual situação financeira de qualquer estado – mesmo dos países desenvolvidos.

O sistema prisional impõe pena corporal mais agravada que a privação de liberdade decretada em sentença condenatória

Com a população carcerária saturada, a cada pessoa presa, uma deve ser solta. E cada pessoa solta passa a estar em condição favorável a cometer novo delito, já que passou por período estigmatizador. O ciclo se repete e a criminalidade aumenta. Tudo isso fomentado por um sistema prisional absolutamente oneroso sob o aspecto financeiro para o Poder Executivo, e exageradamente adotado pelo Poder Judiciário.

Assim, a decorrência é lógica: aumenta-se a população carcerária sem possibilidade se incrementar as condições materiais de aprisionamento. Os presos ficam em condições cada vez mais inadequadas, sendo força motriz ao tensionamento e reincidência delitiva. O Estado cede lugar para organizações prisionais que ditam as suas regras e executam as suas próprias determinações.

O estado do Paraná, mesmo com um orçamento de R$ 136,2 milhões para o sistema penitenciário – o que representa R$ 3.016 por preso –, é um dos poucos estados que ainda mantêm presos em superlotadas delegacias de polícia: são aproximadamente 9 mil presos. Eles deveriam ser encaminhados a penitenciárias ou presídios, que não têm condições de abrigar esse contingente.

A Defensoria Pública do Estado conta com 16 defensores públicos que atuam em favor dos quase 30 mil presos que executam pena em regime fechado e semiaberto, em 29 unidades prisionais. Trata-se do único órgão que atua em favor da redução do poder punitivo estatal, como órgão de execução da pena e patrona processual de quem não constitui advogado. Em fevereiro de 2014, promoveu pedido de relaxamento coletivo em 14 comarcas do estado do Paraná, a fim de atacar o problema dos presos em delegacias de polícia. Referidos pedidos foram rejeitados pelo Poder Judiciário.

Diante da horrenda barbárie ocorrida, diferentemente de celebrar ou culpar as vítimas, deve-se chamar a atenção para o fracasso do atual modelo punitivo. Em verdade, o sistema prisional impõe pena corporal mais agravada que a privação de liberdade decretada em sentença condenatória. Inflige, em suma, se não a morte física, a morte social, gerando perpetuação de violência.

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