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Laboratórios procuram a população ao Sul do Equador – em especial as do continente africano – para servir de cobaias de novos medicamentos

Há algumas semanas, assisti ao filme "Jardineiro Fiel", de Fernando Meireles, o mesmo diretor de "Cidade de Deus". Ao contrário deste último, marcado pela violência e pela percepção dos fatos e lugares, "Jardineiro Fiel" tem como ponto forte a sua narrativa. Baseado num romance de mesmo nome do escritor John Le Carré, "Jardineiro Fiel" conta a história de Tessa Quayle (interpretada pela atriz Rachel Weisz), uma militante das causas humanitárias.

Tessa se casa com um diplomata britânico, Justin Quayle (Ralph Fiennes). Com ele, parte para morar no Quênia. Naquele país, conhece o médico Arnold Bluhm (Hubert Koundé), de quem se torna amiga. Ambos descobrem que uma indústria farmacêutica está testando em pessoas, sem a autorização delas, um novo medicamento contra a tuberculose. A pesquisa vem sendo realizada de uma maneira criminosa. Tessa e Arnold sabem disso. A partir daí, ambos passam a correr risco de perder a vida. E a credibilidade do laboratório e de seus poderosos executivos é colocada em xeque. O filme não explicita em que período histórico os fatos ocorrem. Sabemos apenas que é contemporâneo, e a escolha do local em que a história se dá é proposital: a África. Lá, o Estado não fiscaliza, e a população não dispõe da mínima informação acerca de seus direitos. É um filme que denuncia a pobreza africana, a desinformação e a postura nada ética adotada pela indústria farmacêutica para desenvolver suas pesquisas.

"Jardineiro Fiel" é um bom filme, no sentido do drama e no de conteúdo. A denúncia não é nova, mas é importante e contemporânea. E é bom que seja conhecida pelo maior número possível de pessoas.

Periodicamente, publicações especializadas ou independentes como o "Le Monde Diplomatique", trazem informações importantes e denúncias sobre o comportamento das indústrias farmacêuticas. Infelizmente, porém, tais publicações são lidas por uma elite. Não atingem a maior parte da população –coisa que um filme pode fazer.

Caso semelhante ao narrado no filme é contado por Jean-Philippe Chippaux em seu artigo "As vítimas da Big Pharma". Publicado em junho de 2005 pela versão brasileira do "Diplomatique" [www.diplo. com.br], o artigo chama a atenção para o fato de testes clínicos feitos na Nigéria com um antivirótico – usado no tratamento da aids – terem sido suspensos em março do ano passado. Os testes vinham sendo feitos sob a responsabilidade do laboratório norte-americano Gilead Sciences, e financiados pelo governo dos Estados Unidos e pela Fundação Bill and Melinda Gates.

Em "As vítimas da Big Pharma", Chippaux relata ainda que cerca de 30 famílias nigerianas compareceram diante de um tribunal nova-iorquino, em 2001, com o objetivo de condenar um laboratório norte-americano. O laboratório havia submetido 200 crianças ao teste de um antibiótico, por ocasião de uma epidemia de meningite, em 1996. Onze delas morreram. Várias outras ficaram com graves seqüelas cerebrais e motoras. Tanto o filme quanto o artigo remetem à África. Em geral, os laboratórios procuram a população ao Sul do Equador – em especial as do continente africano – para servir de cobaias dos testes medicamentosos.

Há, no filme, diálogos que dão a entender que a opção de desenvolver pesquisas na África seria porque os que lá vivem sequer poderiam ser considerados "gente", no sentido de ter uma vida digna. Isto transparece no filme não só pela miséria social e econômica, mas também pelo viés racista.

"Jardineiro Fiel" mostra o quanto são infiéis os laboratórios farmacêuticos para com suas cobaias. Fazem seus testes clínicos sem levar em consideração a segurança dos pacientes. Executam suas pesquisas sem o consentimento do sujeito. Não dão as informações necessárias e sequer fazem um controle terapêutico eficiente.

Dr. Rosinha é médico pediatra, deputado federal (PT-PR) e secretário-geral da Comissão do Mercosul.

dr.rosinha@terra.com.brwww.drrosinha.com.br

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