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Existem poucas dúvidas quanto ao caráter inadiável da inclusão do tema infra-estrutura no debate eleitoral de 2006. Nos anos recentes, a discussão e a prática econômica no Brasil têm enfatizado, de maneira absolutamente exagerada, as questões relacionadas com a estabilização monetária, em detrimento da organização de argumentos e do lançamento de atitudes sólidas na direção da combinação de ingredientes capazes de viabilizar uma retomada auto-sustentada do crescimento.

Sem negar a importância da priorização e perseguição do equilíbrio dos fundamentos macroeconômicos, condição necessária à reativação duradoura dos níveis de produção, negócios e renda do país, parece crucial o reconhecimento da necessidade de enfrentamento e superação de uma série de obstáculos estruturais à marcha expansiva de médio e longo prazos, particularmente na área de infra-estrutura pública, sob pena de a estabilidade inflacionária conquistada desabar como um verdadeiro castelo de areia.

Nessa ordem de restrições, seria oportuno sublinhar duas constatações. A primeira delas diz respeito ao fato de, rigorosamente, todos os ciclos expansivos vividos pela economia brasileira terem sido antecedidos por substanciais inversões estruturantes em atividades básicas na órbita estatal.

A segunda observação compreende o argumento científico para um teto de variação de 3,5% ao ano para a economia do país, traduzido como Produto Interno Bruto (PIB) potencial, baseado na proliferação da técnica de medição da "produtividade total dos fatores", obtido do exame da saturação da capacidade instalada do parque fabril de insumos básicos e do sucateamento da infra-estrutura física, o que prejudica sobremaneira a inserção competitiva do país, e de seus heterogêneos espaços regionais, no ambiente de globalização produtiva.

A propósito disso, vale realçar a presença e influência do estoque e dos fluxos de infra-estrutura para a ancoragem de programas de industrialização por algumas regiões e estados brasileiros, acoplados em maior ou menor grau ao clima de decisões econômicas de caráter nacional, em diferentes momentos e regimes políticos.

Por certo, a identificação das raízes do colapso do capital social básico brasileiro, desde a segunda metade do decênio dos 1980, constitui tarefa por demasiado complicada, abrangendo tanto elementos geradores quanto solucionadores de crises, o que exigiria a arregimentação e análise de um volume de informações quantitativas e qualitativas que transcende o núcleo desta reflexão.

Contudo, é importante reter a íntima ligação existente entre a deterioração do aparato infra-estrutural e a derrocada do estilo de desenvolvimento levado a cabo no país entre o começo dos anos 1930 e o final da década de 1970, objetivando a implantação dos três departamentos industriais de produção (bens de produção, de consumo duráveis e de consumo não-duráveis e semiduráveis), nos moldes da substituição de importações, e sustentado primordialmente pela articulação, por vezes perversa, entre poupança pública e externa, ensejando a instituição de um clima de vulnerabilidade das contas do Brasil em momentos de crises internacionais.

Normalmente, tais problemas foram sendo empurrados para a frente, por meio do financiamento inflacionário dos desequilíbrios das finanças públicas, derivados da falta de preocupação com a rota altamente ascendente dos gastos correntes do governo e da sua respectiva cobertura, via emissão de moeda, de títulos públicos ou mesmo de contratação de passivo externo.

Tal paradigma desmoronou com a decretação da exaustão dos alicerces fiscais, financeiros e técnicos do arcabouço institucional da industrialização substitutiva de importações, principalmente depois do choque triplo que atingiu em cheio a economia mundial em setembro de 1979, formado pela duplicação dos preços do petróleo, pela triplicada dos juros internacionais e pela pronunciada recessão, o que debilitou o comércio em escala planetária e os termos de intercâmbio dos produtos exportados pelos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

A reprodução desses eventos no Brasil determinou o surgimento de problemas sintetizados na falência do Estado e na interrupção do financiamento externo voluntário, cujo encaminhamento de solução exigiria o aval formal e o cumprimento de orientações emanadas do Fundo Monetário Internacional (FMI), um tipo de xerife do sistema financeiro internacional, encarregado de zelar pela redução da exposição dos bancos comerciais privados em seus empréstimos às nações do Terceiro Mundo.

A estratégia "exportar é o que importa" adotada desde então, dirigida à produção de enormes e crescentes superávits comerciais para a transferência de dólares líquidos aos credores da dívida externa do país, só poderia ser compatível com reduzidos níveis de crescimento das atividades vinculadas ao mercado doméstico, salvo em alguns momentos de repique expansivos, associados à edição de planos heterodoxos de combate à inflação, como o Cruzado em fevereiro de 1986, que, diga-se de passagem, só não precipitou um choque de oferta na área energética em razão de seu aborto, em novembro daquele ano, com a implementação de medidas recessivas. Esse conjunto de distorções compõe a gênese do sucateamento da infra-estrutura brasileira, cuja recuperação dependerá, crucialmente, da conjugação entre competência e ousadia do próximo governo.

Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário – FAE Business School.

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