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A letal mistura de índices recordistas de impopularidade e de rejeição do Congresso com a proximidade da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos de 513 deputados e um terço dos 81 senadores, provocou uma coceira de medo, com a tremedeira de febre e a reação aflitiva no despejo chorrilho de explicações, desculpas e justificativas de uma indigência de dar dó. Poucos reconhecem os erros em cascata de água poluída que jorra desde que a redemocratização, depois de quase 21 anos de ditadura militar, começou a descarrilar até que o comboio despencou, aos trambolhões, de morro abaixo às funduras do escândalo da corrupção: as denúncias apuradas por três CPIs – na verdade por duas, porque a do mensalão acabou soltando o vagido de um relatório pífio – comprovaram, com abundância de documentos, a descarada novidade do mensalão para a compra ou aluguel de deputados, em operações no varejo e no atacado e do caixa 2, no sofisticado modelo dos saques do dinheiro público.

Muitos nada viram e de nada souberam. O presidente Lula – os ministros, secretários, assessores e uma penca de senadores e deputados de fidelidade cega e bem recompensada ao governo – perdidos na miopia coletiva, não enxergaram a dinheirama que esguichou em milhões para a mais cara campanha da crônica política do país. E, com a fé dos crentes com sinal trocado, simplesmente não acreditam no mensalão e desqualificam o caixa 2 como simples pecado venial, merecedor da indulgência, pois o financiamento de campanha com a generosidade de doações por debaixo do pano é um vício que vem do Império, atravessa o período republicano nas fases democráticas e nas recaídas ditatoriais ou híbridas, como a última, que tolerou eleições controladas para a farsa de uso externo. Além dos que se escondem, por trás da cortina esfarrapada do cinismo, com o vexame previsto e anunciado da convocação extraordinária do Congresso, até agora para nada, ao custo de R$ 100 milhões do pagamento de mais dois subsídios a cada felizardo – alguns, poucos, não chegam a uma dúzia, recusaram a gorjeta. Os outros, picados pelo receio de serem despedidos pelo voto de um dos melhores empregos do mundo, acodem com o balde de sugestões para apagar o incêndio na lona.

Reconheça-se que alguns dos veteranos remendos, retirados dos escaninhos do esquecimento da Câmara e do Senado, propõem plásticas moralizadoras, como o enxugamento das campanhas com a proibição de programas para o horário de propaganda eleitoral, no modelito milionário de novelas, produzidos pelos marqueteiros pagos a peso de ouro; a redução do tempo do privilégio da cadeia nacional de rádio e televisão ou de curativos da botica doméstica, como as restrições ao troca-troca de partido, definitivamente condenado pela denúncia do mensalão.

A modéstia das receitas, a timidez do reconhecimento de erros, que chegam à comicidade no balbucio das desculpas petistas, mais do que um truque para enganar os trouxas é um recibo passado na recognição de que o Congresso padece de mal sem cura. E é por aí que a mídia deve começar a desmascarar a crise ética que corrói a respeitabilidade do mais democrático dos poderes e que também atinge o Executivo e o Judiciário. Não pretendo cansar a paciência do leitor na mais imprópria das ocasiões, moendo no realejo fanho as ranzinzices de veterano em confessado desencanto. Mas, desfiar as contas do óbvio: a convocação extraordinária do Congresso seria dispensável se Suas Excelências trabalhassem como todo mundo de segunda à sexta-feira, tal qual nos velhos tempos decorosos de antes da mudança da capital do Rio para Brasília e das duas décadas ditatoriais.

Vantagens, privilégios, mordomias da decadência moral do Parlamento são manchas que resistem aos paliativos. A verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para ressarcir as despesas de fim de semana dos parlamentares nos seus feudos eleitorais, com passagens pagas pela viúva, é uma vergonha a clamar por operação radical e um banho de creolina. Há muito mais na coleção dos desatinos, como a impudência da escabrosa verba de gabinete para a contratação de assessores nas trampas do nepotismo.

E é mais um adereço no pacote dos vexames a denúncia do envolvimento de servidores – com média salarial acima de R$ 10 mil – nas trampas do valerioduto, na comprovação da inevitabilidade do contágio da praga da corrupção quando o mau exemplo vem de cima. O Congresso, pelo visto, ainda não está convencido da gravidade da moléstia que o debilita e de que, mais cedo ou mais tarde, a cura será imposta à força Tal qual beberagem despejada de goela abaixo, como purgante em criança birrenta.

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