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A escalada dos preços do álcool, observada no Brasil desde o segundo semestre de 2005, pertence a uma complexa teia de distorções, que pode ser sintetizada na conjugação entre a crise do agronegócio e o inadequado emprego dos instrumentos públicos de intervenção em áreas estratégicas.

Especialistas do mercado estimam que o agronegócio brasileiro amargou queda de receita superior a 10,0% no exercício de 2005, o que implicou redução das decisões de plantio e de emprego de tecnologia nas lavouras para o ano agrícola de 2005/2006, principalmente de fertilizantes, agudizando os desdobramentos dos problemas climáticos. As previsões correntes dão conta de diminuição de 5,0% na área cultivada, 20,0% na comercialização de fertilizantes e defensivos e de 40,0% na venda de máquinas e equipamentos. Só a título de exemplo, a comercialização de aviões agrícolas da empresa Neiva, subsidiária da Embraer, caiu 52,0% em 2005.

Tal cenário justifica, de forma plena, os pleitos manifestados pelos produtores rurais junto ao governo federal, no sentido da adoção de providências emergenciais como a dilação do prazo de pagamento dos financiamentos de custeio por cinco anos com dois de carência, a disponibilização de recursos para cooperativas e fornecedores de bens de produção que realizaram empréstimos a produtores rurais, a abertura dos novas linhas de crédito e a revitalização do instrumento conhecido como política de preços mínimos.

Essencialmente, a crise do agronegócio reproduz a disposição do governo de construir uma espécie de segundo estágio da âncora verde da estabilização macroeconômica, sendo que o primeiro teve duração prolongada, começando em 1994 e terminando em janeiro de 1999, com a desvalorização do real e a instituição do câmbio flutuante.

Desde então, apesar do arsenal de defesas montado pelos produtores agrícolas e agroindustrais brasileiros, reforçado pela depreciação cambial ocorrida em 2002 – o que resultou, por exemplo, na dominação dos mercados mundiais de carnes –, a falta de um arcabouço institucional de longo termo, capitaneado pelo poder público, vem tornando o agronegócio do país presa fácil das armadilhas do clima e dos mercados.

O não ou o inadequado intervencionismo estatal no setor rural pode ser ilustrado pelas dificuldades de neutralização, ou até a eliminação, das abruptas variações de preço do álcool, em intervalos de tempo relativamente curtos. Ao praticamente se recusar a capitanear a priorização da formação de estoques reguladores – financiados com os recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), instituída em 2001 também com esta finalidade, e representando atualmente R$ 0,29 por litro de gasolina – o executivo vem contribuindo para a exacerbação dos cenários de desconfiança.

Nesse sentido, o governo parece ter esquecido das incertezas prevalecentes nos anos 1990 quanto à garantia de abastecimento de álcool, que ensejaram drástica redução da produção de carros a álcool, que passou de 90,0% da oferta total na década de 1980 para menos de 1,0% entre 1996 e 1998.

Nesse terreno, sugestões e/ou providências como a zeragem das alíquotas dos impostos de importação e/ou a nova diminuição da proporção de mistura do anidro na gasolina, novamente de 25,0% para 20,0% (que era de 12,0% no lançamento do Proálcool em 1975), mostram-se ineficazes, esbarrando, no primeiro caso, na competitividade brasileira situada em patamares bastante superiores à média internacional e, no segundo, na exacerbação das inquietações quanto à estabilidade nas regras, essencial ao delineamento de horizontes de longo prazo.

Parece tão simples, mas os produtores rurais brasileiros precisam apenas de estabilidade, transparência e garantia do cumprimento das regras do jogo por parte do Estado. Da porteira ou da porta da fábrica para dentro, tudo se resolve. Mas, com a cotação do dólar abaixo de 2,70 reais, o Brasil está abdicando da possibilidade de consolidação da condição de maior exportador mundial de alimentos, por conta não apenas da insuficiente geração de renda para a utilização final em investimentos, como da não cobertura dos dispêndios operacionais com máquinas, insumos e mão-de-obra.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário.

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