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A recente conformação de uma rota ascendente dos principais indicadores de preços no Brasil oportunizou a ressurreição das vozes representantes do conservadorismo econômico, assentadas no mercado financeiro, no Banco Central e na própria Presidência da República, identificadas nas declarações tempestivas do mandatário do país em suas incursões internacionais e em prognósticos dos especialistas acerca da interrupção, por longo tempo, da estratégia de compressão das taxas de juros.

Percebe-se a busca de construção de um diagnóstico consensual na direção de um panorama de superaquecimento da economia brasileira, em um contexto de alcance praticamente do limite técnico de utilização da capacidade produtiva do setor industrial, não compensado pela alternativa de realização de importações e prejudicado pelo intervalo temporal entre decisão, materialização e maturação dos novos investimentos. Por essa visão, tal fenômeno reproduziria o regresso da temida inflação de demanda.

Trata-se de um conceito que exige interpretação em sua abrangência e complexidade plena, sob pena de ser confundido com um simples episódio de incremento supostamente excessivo dos patamares de consumo. A inflação de demanda possui raízes na persistência isolada e/ou conjugada de três fatores de desequilíbrio: déficit público, acréscimo da oferta de crédito real à iniciativa privada e variação dos salários reais acima dos ganhos de produtividade do aparelho econômico.

Mesmo com vigorosos esforços técnicos, é impossível verificar a presença de qualquer um desses elementos no cotidiano macroeconômico brasileiro. Isso porque o setor público vem contabilizando sucessivos recordes na geração de superávits primários, e o crédito dirigido às corporações e famílias representa apenas 36% do Produto Interno Bruto (PIB), contra mais de 100% da média mundial.

Na mesma linha, por certo, a massa de rendimentos vem aumentando mais que a inflação nos últimos dois anos, por conta da recuperação do emprego, da colheita de safras favoráveis de dissídios e de acordos coletivos da maioria das categorias de trabalhadores e da proliferação dos programas oficiais de transferência de renda. Contudo, a progressão do consumo ainda pode ser imputada ao desaparecimento do imposto inflacionário e à necessidade de cobertura da demanda reprimida (incorporação das classes sociais de menor renda em novos mercados) por decênios de inflação com recessão, fenômeno magistralmente identificado pelo mestre Ignácio Rangel nos primórdios dos anos 1960.

Portanto, os repiques inflacionários ora identificados repousam em leitos de oferta, conhecidos cientificamente como inflação de custos. A maior parte deles possui natureza exógena, dada a sua íntima ligação com a combinação entre o maior ciclo de expansão da economia mundial dos últimos quarenta anos, capitaneado de forma sincronizada por China e EUA, a elevação das cotações internacionais das commodities agrícolas, minerais e metálicas, e algumas frustrações de lavouras ou de produção pecuária em distintos espaços geográficos do planeta. Em uma economia precificada globalmente, as chances de transmissão generalizada de choques de oferta são maiores.

Por tais motivos, o retorno de proposições de terapias tradicionais para a reversão de curvas ascendentes de inflação revela-se absolutamente equivocado. A abolição do automatismo inflacionário no Brasil aconteceu em março de 1994, com o lançamento da Unidade Real de Valor (URV), que, em julho do mesmo ano, transformou-se em padrão monetário oficial (real), resgatando as funções clássicas de unidade de conta, reserva de valor e meio de pagamento, características da busca do resgate da noção de valor dos bens e dos ativos.

Tal conquista foi colocada em xeque em janeiro de 1999 quando, a pretexto da necessidade de montagem de uma nova estrutura de preços relativos, decorrente dos efeitos da superdesvalorização cambial e da instituição do regime de livre flutuação, os agentes especulativos sentenciaram a volta da inflação. O contra-ataque foi desferido pelas donas de casa do Rio Grande do Sul, liderando um movimento denominado "mude de marca". Apesar dos deslizes cometidos por diferentes governos, não existe qualquer espaço para o recrudescimento inflacionário no Brasil. Ao menor sinal de perigo, basta convocar as maravilhosas e vigilantes mulheres dos pampas.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciência Econômicas da Unifae – Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Business School.

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