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A discussão acerca do estatuto dos valores parte das flagrantes falsas dicotomias: "valores subjetivos ou valores objetivos" e "valores como construção social ou valores permanentes". Uma discussão adequada sobre valores humanos deverá superar esses falsos dilemas.

A falsidade deriva da confusão gerada pelo viciado pressuposto de que só tem dignidade o que possui estatuto de objetivo e científico, enquanto que tudo aquilo que traz a marca do subjetivo deve ser banido como algo insignificante e pessoal. Em última instância, surge o receio do relativismo: "Se não existem valores objetivos, então tudo é permitido". Mas nem tudo é permitido e nem por isso valores existem como objetivos, isto é, como independentes dos seres humanos. E é justamente por serem subjetivos que devem valer o que valem.

Existem valores independentes dos seres humanos? Não. Pois todos os valores humanos, por serem humanos, só podem ser dependentes da realidade humana. No entanto, disso não segue que todos os valores inerentes à natureza humana são criados e determinados por preferências psicológicas ou costumes históricos de uma determinada cultura. O que caracteriza a realidade humana é a subjetividade: os homens são os sujeitos da história e não os objetos de um determinado saber científico.

Neste ponto reside a confusão: o relativismo moral fundamenta-se no raciocínio "como não há valores objetivos, então todos os valores humanos são reduzidos a preferências psicológicas e culturais". A consequência desse raciocínio é "os valores mudam e cada pessoa ou cultura determina o seu próprio valor". Essa aparente contradição pode ser resolvida quando os valores são distinguidos em duas grandes e complementares categorias: valores instrumentais e valores fundamentais.

Todos os valores instrumentais são meios para sustentar os valores fundamentais. Eles podem ser psicológicos, culturais e, de fato, mudam conforme o desenrolar da história. Já os valores fundamentais são fins em si mesmos; em outras palavras, são as condições para todos os valores instrumentais. Subsistem na realidade humana. Desta forma, valores fundamentais não derivam de preferências psicológicas, das opiniões particulares ou dos costumes históricos de uma determinada cultura, por isso são permanentes, assim como a realidade humana persiste na história.

Por exemplo, a coragem é um valor instrumental a fim de defender e proteger a dignidade da vida. A vida, por outro lado, é um valor fundamental e irredutível a qualquer outro valor. A vida, neste contexto, é a condição para a existência de todos os outros valores: liberdade, amizade, honra, justiça etc. Vida, enquanto valor, não designa o objeto das ciências biológicas. Na verdade, a vida designa o valor inerente à natureza humana enquanto tal, isto é, o que torna a existência digna de ser vivida.

Portanto, a dicotomia "valores como construção social ou valores permanentes" só pode ser falsa, pois emerge de uma peculiar incompreensão a respeito daquilo que é inerente à natureza humana e daquilo que é produto dessa natureza. Confunde-se o que diz respeito à própria estrutura constituinte da realidade humana com os conteúdos dos costumes históricos particulares frutos dessa realidade. Todos os valores construídos culturalmente buscam sustentar pelo menos um valor permanente: o fato de que a vida vale a pena ser vivida.

Francisco Razzo é mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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