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Delegada batizou a Lava Jato quando atuou na superintendência da PF em Curitiba. Imagem ilustrativa.
Delegada batizou a Lava Jato quando atuou na superintendência da PF em Curitiba. Imagem ilustrativa.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

A política brasileira nos atinge cotidianamente com declarações estapafúrdias. Quem acompanha o noticiário acaba se sentindo anestesiado ante a profusão de disparates sobre os mais diversos assuntos. Como consequência, dificilmente algo nos tira do torpor a que somos levados pela verborragia dos políticos. Algumas vezes, contudo, isso acontece. Afirmações especialmente abjetas ainda nos espantam e causam profunda aversão. A recente manifestação do deputado federal Ricardo Barros é uma delas.

O líder do governo na Câmara se referiu à força-tarefa como “quadrilha da Lava Jato”, acrescentando que “nunca houve” prisão após condenação em segunda instância no Brasil, sendo esta um “casuísmo” elaborado para impedir que Lula participasse das eleições em 2018. A declaração é equivocada e afronta valores fundamentais da sociedade brasileira.

Em sete anos de atividade, a Lava Jato acarretou 130 denúncias contra 533 réus, sendo proferidas 278 condenações. Foram realizados 209 acordos de colaboração premiada e 17 acordos de leniência. Os resultados financeiros são impressionantes: R$ 4,3 bilhões foram devolvidos, sendo firmados compromissos para o regresso de outros R$ 10,7 bilhões. Dinheiro público, roubado, que foi restituído graças à operação.

Aos resultados criminais e civis da Lava Jato, deve-se acrescentar algo ainda mais importante: a mudança na percepção da sociedade sobre a impunidade dos criminosos de colarinho branco. Com efeito, a maior operação de combate à corrupção da história modificou a consciência dos brasileiros sobre a impunidade. As condenações de grandes nomes da política mostraram que o Direito vale para todos e que a impunidade não é mais admitida no Brasil. A esperança de que a sangria do Estado seria contida, de que corruptos seriam punidos independentemente de seu poder, de que os valores desviados seriam devolvidos aos cofres públicos revestiu a operação de grande poder simbólico. Ela simbolizava o anseio por tempos melhores.

Por desacertos que tenham ocorrido, não se vê como alguém possa se referir a membros da Lava Jato como “quadrilha”. Quadrilheiros são aqueles que foram condenados por roubar os cofres públicos, desviando para si o dinheiro destinado ao atendimento de necessidades coletivas. Quadrilheiros são aqueles que confiaram na impunidade para atacar a maior estatal brasileira, dela subtraindo bilhões de reais. Ricardo Barros, como se vê, dirige o impropério às pessoas erradas...

A alegação sobre o casuísmo da prisão em segunda instância é um primor de inexatidão. Ressalvado o período de 2009 a 2016, o Supremo Tribunal Federal sempre admitiu a prisão após condenação em segundo grau. Disso decorre que a situação de Lula não foi casuística. É deplorável que um deputado federal lance essa crítica, divorciada da realidade e voltada a descredibilizar a atuação de outro poder. A propósito, vale lembrar que a condenação de Lula foi mantida em segunda instância e no Superior Tribunal de Justiça, o que afasta a alegação de parcialidade frequentemente lançada pelos admiradores do ex-presidente.

A declaração de Ricardo Barros integra a tentativa de desmontar a operação Lava Jato, cuja força-tarefa foi desmobilizada neste início de fevereiro por determinação da Procuradoria-Geral da República, comandada por Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro como procurador-geral em desatendimento à lista tríplice elaborada pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR). De agora em diante, a operação será conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

Há evidentes implicações práticas na decisão tomada por Augusto Aras. A força-tarefa permitia que os procuradores se dedicassem apenas aos casos da Operação Lava Jato. Ganhava-se eficiência e agilidade na condução dos processos. Com a absorção pelo Gaeco, os procuradores terão de dividir sua atuação com outras ações. A condução dos processos que integram o mais rumoroso escândalo brasileiro de corrupção será prejudicada por essa divisão de tarefas.

É emblemático que o ataque à Lava Jato tenha partido do líder do governo na Câmara. A bandeira de combate à corrupção com que o presidente foi eleito não parece mais integrar as suas preocupações. A fala de Ricardo Barros foi proferida logo após a aproximação de Bolsonaro com o “Centrão”, consolidada pelo expressivo apoio à eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara dos Deputados.

Ao nomear um crítico conhecido da Lava Jato para a Procuradoria-Geral da República e ao concretizar sua relação concubinária com o Centrão, a vanguarda do atraso, Bolsonaro sinaliza completo desdém com os rumos da Lava Jato. Isso preocupa os brasileiros que contam com o prosseguimento da operação para que o Brasil possa se consolidar em outro patamar civilizatório, no qual a impunidade seja apenas uma triste lembrança.

É tarefa de todos os cidadãos, independentemente de suas preferências ideológicas, apoiar o combate à corrupção. Uma boa maneira de fazer isso é acompanhar, com olhar crítico, o posicionamento dos diversos agentes políticos em relação à continuidade da Lava Jato. Quanto às declarações do líder do governo, Ricardo Barros deve ser cobrado não apenas na imprensa e nas redes sociais, mas no lugar que para ele mais importa: nas urnas! Os eleitores devem se lembrar de suas palavras, incompatíveis com os anseios da sociedade, nas próximas eleições que ele vier a disputar.

Ricardo Alexandre da Silva é advogado e doutor em Direito.

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