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O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
O procurador Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Neste momento, em que oficialmente a Operação Lava Jato deixa de existir, é essencial fazer um balanço, discutir quais os legados políticos que ela deixa. Afinal, em seus quase sete anos de vida, ela apresentou muito do que sabemos sobre o desenvolvimento da corrupção no país, das negociações de contratos entre grandes empreiteiras e empresas públicas. Temos, na atual configuração do poder, muito do que resultou dela, gostemos ou não, concordemos ou não com quem a liderou.

Antes dela, tínhamos informações em pequenas pílulas sobre a corrupção, desconfiávamos que ela existia nos mais altos cargos do país, mas não tínhamos muita clareza de como ela ocorria. Com a Lava Jato, a cada movimento do Ministério Público divulgado pela imprensa, esquemas de desvios do dinheiro público eram mostrados de forma clara às pessoas, com uma tradução da linguagem jurídica para a conversa do dia a dia. Nos bares, nas escolas, na conversa de trabalho e entre vizinhos, não há quem não tenha falado da operação e de seus resultados.

Isso quer dizer que, para apoiadores e detratores, não há possibilidade de ignorá-la como parte fundamental da nossa vida política, dos movimentos eleitorais dos últimos anos, da formação e da transformação dos grupos que concorrem pelo poder em todos os cantos do país, nos Executivos e nos Legislativos.

Em tempos anteriores, os candidatos em debates eleitorais, ao falarem de corrupção, tinham, com raras exceções, afirmações vagas sobre desvios, pagamentos de propinas, contratos superfaturados. Mas tudo ficava distante, sem uma relação clara com o que era compreensível para os telespectadores. Hoje, a cara da corrupção é outra, com compreensão mais transparente, a partir da função pedagógica que a Operação Lava Jato trouxe para o entendimento de cidadãos em todo o país.

Então, isso quer dizer que ela só trouxe aspectos positivos? Claro que não! Pelo contrário, a função de levar as discussões para a imprensa possibilitou que vaidades pessoais pudessem ficar ainda maiores do que os objetivos iniciais. E isso também ocasionou o que podemos considerar o seu “sequestro”. Ela foi politizada, usada como bandeira por quem não estava nem um pouco preocupado com a diminuição da corrupção, mas sim com a possibilidade de se apresentar como alternativa para a conquista do poder.

Os mais críticos ainda poderão dizer que ela levou Jair Bolsonaro à Presidência da República. E, realmente, ela foi uma das questões mais importantes que ajudaram o populismo conservador a alcançar o Palácio do Planalto. Afinal, ao atacar diretamente os governos anteriores, a Lava Jato se tornou discurso fundamental para a oposição, que tomou para si as conquistas da guerra contra a corrupção e a malversação do dinheiro público.

E, com a ida do juiz Sergio Moro – personagem que a narrativa midiática associou claramente à Lava-Jato – para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública do novo governo, houve uma ideia clara de que o atual presidente era filho do mesmo processo. Porém, tratou-se mesmo de um sequestro momentâneo. Depois de a Lava Jato ser utilizada para a conquista e a manutenção inicial do poder, o governo deu mostras de que não precisaria mais de um representante tão incisivo da luta contra a corrupção. Isso ocasionou a saída de Moro, o enfraquecimento institucional da operação e, por fim, com o apoio de aliados de todos os poderes da República, a sua morte.

O líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros, deixou claro que, depois de útil, ela deveria ser dispensada, preferencialmente sem chance de sobrevivência. Chamou os membros da operação de “quadrilha” e disse que ela foi utilizada para tirar o ex-presidente Lula da disputa de 2018. Com isso, abriu um caminho ainda mais contundente para a anulação das condenações no Supremo Tribunal Federal, no intuito de conquistar o cenário ideal para 2022: o tensionamento para levar Bolsonaro e Lula para a disputa presidencial.

Quanto aos motivos reais pelos quais dizem que a Lava Jato teria um vício, as conversas entre Deltan Dalagnol e Sergio Moro, elas realmente podem ser questionadas. Mas vale a pergunta: não há contato entre os juízes e as partes na prática da Justiça brasileira? Será que foi o único lugar em que aconteceu? Ou é algo que se repete em cada canto do país, das varas mais distantes aos corredores dos tribunais superiores? Se isso se repete, então podemos colocar em dúvida toda a prática da Justiça no Brasil?

Porém, o assunto já é passado. A Operação Lava Jato, que se tornou referência para desenvolver o ambiente político em que vivemos, serviu como bandeira política para alguns e foi morta exatamente por causa disso. Nos livros de História, ela estará presente sempre. Gostando ou não do resultado, foi uma oportunidade para colocar a corrupção no meio da sala. Que ela seja lembrada pelo que produziu de benefícios à sociedade. E que nos sirva de lição para que a disputa político-partidária não sequestre boas iniciativas.

Kleber Carrilho é analista político, doutor em Comunicação e professor convidado da ECA/USP.

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