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Desde semana passada passou a fazer parte do vocabulário nacional o termo feminicídio, ou seja, o assassinato de uma mulher por razão de seu gênero ou por violência doméstica. No dia 9 foi sancionado projeto de lei que modifica o Código Penal para aumentar as penas de prisão para esse tipo de delito.

O tema é sensível. 15 mulheres são assassinadas por dia, no Brasil, em média. Esse dado, sozinho, já é aterrorizante. Mas nem é o pior. O pior é que cerca de 42% delas são mortas por seus maridos ou companheiros. Então, cerca de 2,3 mil mulheres são vítimas fatais de violência doméstica todos os anos em nosso país. Muito embora esses sejam números assustadores, o fenômeno em si não é privilégio brasileiro. No mundo inteiro homens agridem suas parceiras, pelos mais variados motivos – ou sem motivo algum – com maior ou menor frequência e violência.

Não sou sociólogo, antropólogo ou psicólogo para me atrever a tentar explicar com alguma profundidade as razões desse fato. Por isso, limito-me ao lugar comum: a cultura machista que em grande parte ainda domina a humanidade e a força da dominação econômica à qual homens provedores do lar ainda submetem muitas mulheres que não atingiram a autossuficiência ou a autonomia são dois fatores essenciais à sua gênese. Também o álcool desempenha papel não desprezível.

As causas últimas deste tipo de crime não possuem relação alguma com aquele conjunto de injustiças sociais que sabidamente constituem o caldo de cultura da violência urbana mais geral

O que não se discute, porém, é a circunstância de que, quaisquer que sejam os fatores que o constroem, trata-se de fenômeno que envolve, e muito, a violência. E que necessita, portanto, de uma resposta social capaz de inibi-lo com a maior eficácia possível. Daí o debate ora em evidência.

A opção do governo, aumentando as penas para os agressores, vem com endossos respeitáveis. É fruto de amplo debate travado por instituições seriamente comprometidas com a democracia, os direitos humanos e os padrões civilizatórios. Deveria, portanto, ser consensual entre tantos quantos, como o signatário, se pautam pelos mesmos valores e paradigmas. Contudo, não é assim tão simples.

Desta modesta trincheira, tenho defendido com denodo a posição de que aumentar penas, endurecer castigos, flagelar criminosos não produz, enquanto medida isolada, qualquer impacto significativo nos índices de cometimento dos crimes correspondentes. Está provado que isso, por si só, não inibe o perpetrador de agir. Em princípio, não vejo razão pela qual neste caso seria diferente.

É evidente que as causas últimas deste tipo de crime não possuem relação alguma com aquele conjunto de injustiças sociais que sabidamente constituem o caldo de cultura da violência urbana mais geral, aquela que recheia diariamente os noticiários com atentados contra o patrimônio, as pessoas e a própria vida. Estes têm como agentes, na sua grande maioria, jovens privados dos mais elementares direitos de cidadania, que se veem empurrados para a marginalidade como única e última saída em busca de alguma melhora de vida. Quase sempre pelo caminho das drogas ilícitas.

Mas não aqueles. A eles essa forte condicionante não se aplica. Até porque não escolhe classe social ou nível de instrução. Seu ato é de pura, simples e abjeta covardia. Fruto de um livre arbítrio muitas vezes distorcido, seja pela cultura, seja pelo álcool, seja por um deformado sentimento de posse sobre o(a) outro(a). Merecem, portanto, sem a menor dúvida, reprovação social muito maior.

Nem por tudo isso, entretanto, parece-me, se intimidarão com a ameaça de resposta penal mais severa. Vai ser preciso que a sociedade continue debatendo em busca de outras alternativas para atacar esse mal, nas causas e nas consequências.

Marcelo Jugend, advogado, foi chefe de gabinete, assessor especial da Sesp e secretário municipal de Segurança de São José dos Pinhais. É consultor na área de Segurança Pública e autor de A morte do Super-Homem – propostas para o enfrentamento democrático da violência e da criminalidade.
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