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Falar em recuperação judicial ainda assusta no Brasil. Isso porque esse tipo de medida legal tem sua imagem contaminada em nossa sociedade: para muitos, trata-se de um “estágio para a falência” ou de uma “pré-falência”. Nada mais distante da realidade. Apesar de pouco conhecida – mesmo após mais de 11 anos de sua regulamentação – a Lei da Recuperação Judicial é considerada por aqueles que a analisam com profundidade como a Lei do Século, por seu potencial positivo para a economia e o setor empresarial. Sem ela, hoje o país estaria seguramente em piores lençóis.

É necessário retirar o véu do preconceito estabelecido em torno do tema. A recuperação judicial nada mais é do que uma ação que busca dar oxigenação a uma empresa viável, mas que passa por dificuldades momentâneas. Leia-se por oxigênio a blindagem realizada por um período determinado em relação às ações e execuções contra ela dirigidas.

Deixo aqui uma reflexão aos colegas juízes que estejam tratando do tema: deem uma chance às empresas. E tentem fazê-lo com agilidade

Como acontece com os seres humanos, uma empresa também pode passar por seus momentos de debilidade. Nessa hora, é fundamental conseguirmos encontrar o remédio correto, que a ajude a se restabelecer e voltar à boa forma. De preferência, preservando empregos e garantindo que essa corporação continue a cumprir com seu papel e suas obrigações perante a sociedade.

Com a recuperação judicial, em muitos casos, é viável atingir esses objetivos da forma mais transparente possível. Isso ocorre porque a medida coloca devedor e credores, juntos, numa mesma mesa de debates para encontrar as soluções adequadas para o caso. Não é um processo simples, nem mesmo indolor: é necessária a solidarização do sacrifício e todos têm o seu dever de casa a fazer, em prol da busca de um cenário mais favorável ao grupo do que a simples quebra da empresa.

O problema é que – pouco mais de uma década após a regulamentação da Lei da Recuperação Judicial, inspirada no chamado “Chapter 11” da legislação norte-americana – o Brasil ainda não desenvolveu uma cultura sobre o assunto. Estamos engatinhando a respeito do uso desse instrumento tão importante para nossa economia. Temos, no entanto, uma grande oportunidade em mãos para amadurecer essa cultura e aprimorar ainda mais o seu regimento: a crise.

Tenho a convicção de que o Brasil estaria vivendo uma crise ainda mais profunda neste momento se não fosse pelo instrumento da recuperação judicial. É possível imaginar como ficaria a sociedade brasileira com a perda de companhias importantes, que estão nesse momento em dificuldades conjunturais? Afinal, são as empresas que geram riquezas, tributos e empregos. E não há dignidade sem emprego.

No passado não muito distante, grandes corporações foram desmanteladas no Brasil, sob a égide do Decreto 7.661, segundo o qual a mera impontualidade nos compromissos era motivo para falência. Quem não se lembra das diversas lojas de departamento ou eletrodomésticos, por exemplo, que morreram pelo caminho ao atravessar maus momentos, mas que talvez ainda fossem viáveis? Será este o destino de tantas outras empresas se a utilização do instituto da recuperação judicial não se tornar algo mais recorrente em nosso país?

Deixo aqui uma reflexão aos colegas juízes que estejam tratando do tema: deem uma chance às empresas. E tentem fazê-lo com agilidade, pois isso ajuda na credibilidade junto aos credores e aumenta as chances de sucesso do processo quando a recuperação é viável.

A recuperação judicial assusta e ainda confunde alguns. Nem todas as empresas conseguirão atravessar o processo sem sequelas ou mesmo sobreviver a ele. Mas sua importância para o setor empresarial e, consequentemente, para o país é inequívoca. Precisamos, portanto, legitimar sua utilização e torná-la cada vez mais relevante para nosso sistema econômico.

Luiz Roberto Ayoub é juiz de Direito substituto de Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ)
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