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H.G.Wells escreveu o livro A máquina do tempo, em que um cientista cria uma engenhoca capaz de levar os passageiros ao passado e ao futuro. No livro e no filme feito nos anos sessenta, os passageiros acabavam aterrissando centenas de milhares de anos à frente. Nós também temos a nossa máquina do tempo, mas só funciona na marcha à ré. Pelo menos é o que se conclui quando se observa aquela turma da República de Alagoas de notória memória dando ordens, mandando e desmandando no Senado Federal. Os personagens são os mesmos: o ex-presidente Fernando Collor, seu ex-alguma coisa (minha mente fica obnubilada e recusa-se a lembrar-se exatamente do que) Renan Calheiros. Ao fundo, o indefectível José Sarney, o tipo completo e acabado do oligarca à antiga, com exceção do terno branco de linho 120.

Os métodos também nos levam ao passado. Manobras regimentais dignas da Gaiola de Ouro da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro dos anos cinquenta, com a substituição dos "infiéis" nas comissões e o afastamento sumário do Senador Jarbas Vasconcelos da Comissão de Constituição e Justiça, para deixar de ser exibido da próxima vez... Ao final, vitória total. E a opinião pública que se dane.

Como sempre se aproveita para aprender algo em qualquer situação que se viva, alguns petistas devem estar ardendo de tanto aprendizado. Aloízio Mercadante, um político que manchou seu currículo quando ajudou Calheiros a superar aquele episódio deprimente que envolveu amante, empreiteiro e dinheiro público e que depois quis dar uma de madalena arrependida quando viu que estava defendendo uma causa em que o mais comum é as pessoas terem prontuário do que biografia, está magoadíssimo. Chamou a conspiração peemedebista-alagoana de "espúria". "Too few, too late!", como dizem os gringos. É pouco demais e veio tarde demais. Ideli Salvatti, outra fiel aliada de Renan Calheiros, foi descartada sem cerimônia da Comissão de Obras Públicas para ceder o posto a Collor. E também deve estar com a cabeça quente pensando como é que ela, que se considera uma política experiente, foi ultrapassada com tanta facilidade.

De qualquer maneira, ainda há razões de otimismo. Já disse aqui mesmo que herdei o otimismo de meu avô, o inesquecível Doutor Valverde, que certa vez foi ao enterro de um amigo, olhou para o defunto, voltou-se para a viúva e decretou: "ele está com ótimo aspecto!". O ótimo aspecto do nosso cadáver insepulto em que alguns insistem em transformar o Congresso Nacional, é a evidência cada vez mais forte de que começa a se movimentar no Brasil uma máquina poderosíssima chamada opinião pública. As pessoas começam a se desinibir e a inundar os e-mails dos congressistas com reclamações, críticas e desaforos, como se repetissem aquela cena clássica do filme Rede de Intrigas (Network) , em que o apresentador decadente de TV sugere que as pessoas vão para a janela de suas casas e gritem: "eu estou louco da vida! E não vou vou aguentar mais isso!" e milhares de novaiorquinos fazem exatamente isso. As pessoas, em número crescente, estão começando a gritar que não aceitam a falta de transparência, a desfaçatez, a falta de respeito à inteligência dos outros com que os parlamentares estão nos tratando. (Serviço: o endereço dos congressistas em que você votou está disponível em www.camara.gov.br e www.senado.gov.br.)

Fica no ar uma suspeita: no livro e no filme, a humanidade no futuro está dividida em dois grupos: os morlocks, seres subterrâneos, cruéis e despóticos e canibais; e os elois, pacíficos, ordeiros, obedientes, que os morlocks utilizam como alimento. Passa pela mente dos mais assustados a dúvida cruel: será que eu tenho cara de eloi?

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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