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Imagem ilustrativa.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Com o advento da nova Lei de Licitações, adveio também previsão expressa da “matriz de riscos” no texto legal pretensamente unificado para todos os certames. O instituto não é novo. Ele já era previsto na Lei 11.079/2004 (Lei das PPPs), onde constava a “repartição de riscos entre as partes” como uma das diretrizes do processo licitatório. Também era previsto na Lei 12.462/2011 (Lei do RDC) como cláusula obrigatória nos casos de contratação integrada. E, de igual forma, era previsto na Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), como cláusula dos contratos por ela regrados.

Entretanto, na revogada Lei de Licitações (Lei 8.666/93) não havia esta previsão. Credita-se isso ao fato de que a antiga Lei de Licitações foi promulgada em época em que a administração pública pressupunha que eventos contratuais futuros e incertos seriam solucionáveis com base em teorias administrativas tradicionais (imprevisão, fato da administração, fato do príncipe) e que eventuais imprevistos nos contratos estariam apenas na álea extraordinária, por se acreditar na completude dos elementos relacionados à fase pré-contratual e contratual propriamente dita. Ou seja, pretensamente o legislador presumiu que o poder público não erra, ou melhor, que é sempre detalhista nas previsões dos eventos contratuais possíveis, a ponto de não haver situações insolúveis à luz dos fundamentos ordinários.

A experiência da aplicabilidade da Lei de Licitações nos mais de 27 anos de sua vigência demonstra exatamente o contrário. Os projetos licitados são, via de regra, incompletos ou, quando envolvem objetos mais complexos, abarcam pontos nem sequer imaginados ou muitas vezes tecnicamente desconhecidos dos entes licitadores. Tecnologias novas não são previstas, condições de execução não são conhecidas, materiais similares e mais econômicos são ignorados. E mais: contratos de muitos anos – no caso de concessões, por exemplo – ficam sujeitos a mutações fáticas, que naturalmente não poderiam ser previstas 15 ou 20 anos antes das suas ocorrências.

É exatamente nestes momentos que os riscos e benefícios surgidos na execução do contrato precisam ser previstos antecipadamente, para evitar intermináveis discussões, que, via de regra, desaguam no Poder Judiciário. Ou seja, quem perde com as indefinições são as partes envolvidas no contrato e a sociedade que, muitas vezes, fica privada da conclusão de serviços e obras, dos quais poderia usufruir.

A previsão da matriz de riscos como cláusula contratual surgiu justamente para tentar antever problemas e imputar previamente o responsável pelas soluções.

Embora se trate de cláusula contratual que – como visto – não é nova no nosso ordenamento jurídico, na Lei de Licitações revogada ela não estava prevista. Apenas com o advento da nova legislação licitatória (Lei 14.133/2021) é que ela passou a constar como obrigatória, ainda assim para casos específicos. A ideia é dar mais previsibilidade à execução dos contratos, por meio de maior segurança jurídica. Se bem implementada a matriz de riscos, ela pode fazer com que players de maior experiência e melhor técnica sintam-se atraídos para participar dos certames, o que não vem ocorrendo em muitas licitações recentes.

A nova Lei de Licitações seguiu a linha de prever a matriz de riscos como cláusula contratual, porém, deixando-a como opcional em muitos casos e obrigatória apenas nos contratos de grande vulto (que ultrapassem R$ 200 milhões), na contratação integrada e na semi-integrada (conforme se conclui da interpretação conjunta dos artigos 22, §3.º; 92, inciso IX; e 103, todos da Lei 14.133/2021). São preferencialmente transferidos aos contratados riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras e, por outro lado, transferidos para a administração pública contratante riscos mais direcionados ao poder público pela sua própria condição.

Quando respeitadas as condições do contrato e a matriz de riscos, entende-se que não haverá violação do equilíbrio econômico-financeiro, renunciando as partes aos pedidos de reequilíbrio relacionados aos riscos contratualmente assumidos, com exceção daqueles concernentes a alterações unilaterais ditadas pela administração pública e a alterações legislativas que impactem na carga tributária incidente sobre o objeto contratado.

Naturalmente que a previsão da matriz de riscos não exclui a submissão dos contratos administrativos à teoria da imprevisão. Fatos supervenientes extraordinários e não definidos na matriz de riscos permanecem sujeitos a pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro.

E, evidentemente, é desnecessário dizer que a completude da matriz de riscos é fundamental para os impasses não surgirem ou serem mais fáceis de solução. A alocação dos riscos precisa seguir critérios técnico-científicos compatíveis com a realidade do objeto contratual. Do contrário, estar-se-á diante de matriz de riscos incompleta ou inadequada ao fim a que ela deveria se destinar, o que certamente não é o objetivo das partes integrantes dos contratos administrativos.

Deve-se, portanto, buscar a adequação da matriz de riscos como instrumento de solução, e não de mais problemas.

André Bonat Cordeiro é mestre em Direito Administrativo.

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